segunda-feira, 20 de agosto de 2012

Em nome do filho (crónica publicada no Novo Jornal)

Em 2006, o Presidente Mexicano, Felipe Calderón, declarou guerra ao narcotráfico, mas a ofensiva contra os cartéis está a produzir mais baixas “civis” e de inocentes do que a contribuir para desmantelar o negócio, lucrativo, do abastecimento do mercado norte-americano, donde provêm as armas que equipam os grupos narcotraficantes mexicanos.
Nesta guerra, para a qual Calderón mobilizou cerca de 50 mil militares, já morreram mais de 60 mil pessoas, instalando no país um clima de terror, sobretudo em Juárez, cidade fronteiriça com os EUA, que é hoje considerada a mais violenta do mundo, com uma taxa de homicídios (em 2009) de 191 por cada 100 mil habitantes.
Uma das vítimas da estratégia de Filipe Calderón foi Juan Francisco «Juanito», filho do poeta mexicano Javier Sicilia, que em Março de 2011 foi encontrado morto, a 90 quilómetros da Cidade do México. E foi por ele que o escritor empreendeu há um ano uma «Caravana pela Paz».
«Juanito», que tinha 24 anos, foi morto num ataque que vitimou outras seis pessoas. No carro ficaram gravadas as iniciais do cartel do Golfo, um dos mais poderosos grupos de narcotraficantes no México.
Javier Sicilia trocou nesse dia a caneta pela luta da paz que o levou a percorrer milhares de quilómetros no seu país, onde a estratégia de Calderón atinge níveis de impopularidade recorde.
A população manifesta cada vez mais o seu descontentamento contra a escalada de violência, sem que a guerra tenha respaldo na diminuição do tráfico de droga e sem que se adoptem medidas contra a lavagem de dinheiro, sem as quais não se consegue pôr termo ao tráfico. Estimativas de 2010 apontam para um fluxo de 10 mil milhões de dólares ligado ao tráfico de droga, alimentando a violência dos cartéis e a capacidade de subornar e corromper funcionários e dirigentes públicos.
Há um ano, perante os números da carnificina, o Presidente norte-americano admitiu que a forte procura de drogas nos EUA sustenta a violência do narcotráfico. Barack Obama aceitou parte da responsabilidade pelo que acontece no México e vincou a necessidade de cooperação.
Cooperação, sobretudo ao nível da troca de informações e na estratégia ao largo da fronteira, que, segundo o comissário-geral da Polícia Federal do México, Facundo Rosas, tem permitido à Polícia Federal “progressos muito sólidos”, nomeadamente na desarticulação de várias organizações e a “prender cabecilhas e quadros médios”.
Apesar dos discursos políticos, os mexicanos não sentem melhorias e esta semana a «Caravana da Paz», que conta com mais de uma centena de pessoas, atravessou a fronteira, preparando-se para percorrer, com início em San Diego, 10 mil quilómetros nos EUA.
“Vamos dizer à população norte-americana que por detrás da guerra declarada pelo seu governo estão os nossos mortos e os nossos desaparecidos”, afirmou Javier Sicilia, numa conferência de imprensa antes de entrar em território norte-americano, onde tinha à sua espera o senador democrata da Califórnia, Juan Vargas.
O périplo nos Estados Unidos conta com o apoio de mais de uma centena de organizações norte-americanas e foi organizado pelo movimento a favor da despenalização da marijuana «Drug Policy Alliance» e pela associação de defesa dos direitos humanos «Global Exchange».
As bandeiras hasteadas há um ano são as mesmas: condenar a guerra ao narcotráfico e apelar para que seja travado o tráfico de armas vindas dos EUA e que alimenta a guerra no México entre cartéis.
“Esta guerra está a pôr em crise a democracia e temos de atacar o problema de raiz e construir a paz, caso contrário perdemos o nosso país e os nossos direitos”, insistiu o poeta.
A «Marcha pela Paz», que pretende também evocar os “dois milhões de prisioneiros nos EUA que foram condenados pelo simples delito de possuir algumas gramas de droga”, termina a 12 de Setembro em Washington e prevê passagens por Los Angeles, Chicago ou Nova Iorque.
Sicilia tem um longo caminho pela frente para mudar o rumo dos acontecimentos e pôr termo à hipocrisia política dos que acreditam que pelas armas conseguem desmantelar um negócio que vive de e para a violência. E que com a conivência de muitos agentes (políticos, autoridades policiais e prisionais e sistema financeiro, que beneficia com a lavagem de dinheiro) de um lado e de outro da fronteira tira lucros chorudos da clandestinidade.
No dia em que os EUA assumirem a sua verdadeira responsabilidade na manutenção deste negócio, os cartéis começam a ser desmanteladas. Caem por si, como tenta mostrar Javier Sicilia. Em nome do filho.

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