segunda-feira, 20 de maio de 2013

Apodrecer na cadeia (crónica publicada no Novo Jornal *)

Desde que foram libertadas, há duas semanas, apenas se viram imagens de uma das três mulheres que, durante 10 anos, foram mantidas em cativeiro por um ex-motorista de um autocarro escolar.
Amanda Berry, a terceira vítima do monstro de Cleveland e a mulher que pôs fim à clausura, foi fotografada no hospital junto da irmã e da filha, de seis anos. Gina DeJesus foi vista por breves instantes, mas com um capuz a cobrir-lhe a cabeça, e de Michelle Knight não há uma única imagem.
Fonte ligada à investigação explicou à agência Reuters o facto de as vítimas se terem tornado invisíveis, apesar de terem motivos para festejar a libertação. Quando saíram da «Casa dos Horrores», Gina e Michelle estavam “em muito pior estado” do que Amanda, alegadamente a preferida de Ariel Castro; as duas pareciam “prisioneiras de guerra”, com o cabelo cortado muito curto e sinais visíveis de má nutrição.
Para além das sequelas psicológicas que as três vítimas enfrentam, na sequência das violações e maus tratos a que foram sujeitas, Gina e Michelle terão ainda de lidar com sequelas físicas graves e permanentes, acrescentou a fonte, descrevendo que a cave onde estavam fechadas tinha correntes presas às paredes e coleiras pendurados do tecto, que eram usadas para manter as jovens imobilizadas durante longos períodos de tempo.
Quando foram resgatadas, Gina e Michelle tinham chagas no corpo resultantes de passarem dias seguidos na mesma posição. Uma delas praticamente não consegue mexer o pescoço e ambas têm graves lesões nos músculos e nas articulações, fruto da imobilidade forçada.
Aparentemente, depreende-se, Amanda terá sido poupada por ter dado à luz um fruto do captor, a quem tinha de prestar cuidados.
À medida que vão sendo conhecidos os contornos do sequestro e as condições em que as três mulheres estiveram aprisionadas – foram sistematicamente violadas e forçadas a abortar múltiplas vezes, segundo a investigação - aumenta o ódio contra Ariel Castro e a incompreensão por um crime que foge à racionalidade. Não espanta, por isso, que a acusação se prepare para pedir a pena de morte para o réu, que sequestrou duas das três vítimas quando estas eram menores.
Perante este amontoado de crimes, vem agora a defesa anunciar que Ariel Castro “vai declarar-se inocente de todas as acusações”, com o advogado Jaye Schlachet a assegurar que “todas as provas serão apresentadas durante o processo judicial”.
Outro dos advogados da equipa de defesa, Craig Weintraub, destapou um pouco mais o véu e disse à televisão WKYC que no julgamento ficará claro de que forma as três jovens foram parar à casa do suspeito, insistindo que Ariel não só não as sequestrou como não as violou, nem agrediu ao longo de 10 anos.
“Tenham cuidado antes de emitir uma opinião. Ariel Castro não é um monstro e não deveria ser diabolizado pelos meios de comunicação”, apelam os causídicos, fingindo ignorar todas as provas conhecidas até agora e ainda o facto de, em 2004, o homem que agora defendem ter assumido que era um “predador sexual”.
A estratégia da defesa de Ariel causa quase tanta repulsa como os actos cometidos pelo seu constituinte. Num país como os EUA, em que a defesa de casos com grande mediatização dá uma notoriedade lucrativa à equipa de advogados que a promove, não espanta que haja interessados em defender criminosos repugnantes.
Ainda assim custa a crer que haja quem se preste a tal papel, feito à custa da mistificação e distorção da dor de quem já tanto sofreu, como as vítimas, que acabam por ser colocadas no papel de acusadas.
Que não aconteça aqui o que sucedeu na Suíça, onde um predador sexual condenado por violação foi posto em liberdade e fez mais uma vítima.
Claude Dubois, de 36 anos, foi condenado a 20 anos de cadeia, em 2000, por rapto, violação e homicídio. Em Agosto, o homem foi autorizado a cumprir o resto da pena em casa, em prisão domiciliária, apesar do colégio de juízes de aplicação de penas ter recusado a sua liberdade condicional.
O homem, que estava sob tratamento psiquiátrico, foi preso na terça-feira, depois de ter sido localizado por um helicóptero e perseguido pela polícia. Para trás já tinha deixado mais uma vítima, uma jovem de 19 anos, cujo cadáver foi localizado graças às indicações que Dubois deu à polícia.
Tanto num, como no outro caso seria previdente que se cumprisse o desejo dos irmãos de Ariel: “Que apodreça na cadeia”.

*Publicada no dia 17 de Maio de 2013

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