“A minha mãe lutou contra o cancro durante quase uma década e morreu aos 56 anos”, escreveu Jolie, adiantando que frequentemente tem de explicar aos filhos o que aconteceu com a “mamã da mamã” e de lhes dizer que não se preocupem com ela, quando na verdade também carrega o “gene culpado”.
Dias depois desta confissão, surgiram na imprensa norte-americana acusações de que Angelina estaria ao serviço de uma campanha de marketing da Myriad Genetics, a empresa que detém a patente dos genes do BRCA1 e BRCA2, responsáveis pelo cancro da mama e dos ovários e a única instituição que faz os testes de despistagem a que a actriz foi submetida.
Para além de ter como primeira consequência a subida das acções da empresa em 3%, a confissão é feita pouco tempo antes de o Supremo Tribunal Federal anunciar a sua decisão sobre uma batalha judicial, interposta pela União Americana pelas Liberdades Civis (ACLU), que inclui mais de 150 mil pessoas, contra o patenteamento de genes do cancro da mama.
Não vou discutir aqui a decisão de Angelina Jolie sobre a intervenção cirúrgica a que foi sujeita, nem os motivos que a levaram a partilhar esse facto com biliões de seres humanos, segundo ela, para “que outras mulheres possam beneficiar” da sua experiência.
O que importa aqui é analisar como é possível uma empresa deter a patente de uma coisa que é natural e que faz parte do organismo humano.
Como detentora da patente EP0785216, a Myriad Genetics detém, com carácter de exclusividade, a exploração comercial de testes de diagnóstico do cancro da mama, baseadas em todas as funções biológicas conhecidas e desconhecidas que derivam do gene BRCA2, assim como todas as suas potenciais aplicações económicas.
Assim,
qualquer cientista
que necessite de realizar experiências com este gene tem de pagar uma licença à
Myriad.
Mais. Em 2001, a Myriad
obteve duas patentes sobre outro gene relacionado com o cancro da mama, o
BRCA1, o que levou os governos holandês e austríaco a apresentarem protestos
formais e, em 2003, a Greenpeace europeia fez um alerta público. “Contrariamente à
vontade declarada dos pacientes, companhias seguradoras, médicos, Conselho da
Europa e Parlamento Europeu, os consórcios de engenharia genética repartem
entre si a herança genética humana", criticou então Christoph Then, da
organização ambientalista.
Não
existe um consenso mundial sobre esta matéria. Enquanto a legislação dos EUA
aceita o patenteamento de genes - 18,5 do Genoma Humano está patenteado por
1156 instituições, 63% das quais são empresas e 27% universidades - na União
Europeia há um entrave, graças à oposição da França.
No
livro «A guerra dos genes: Ciência, política e genoma humano», Robert Cook-Deegan
alerta, a propósito da polémica dos genes BRCA1 e BRCA2, que muitos
laboratórios se negam a desenvolver pesquisas com medo de sofrerem acções
penais, o que na prática tem impedido a pesquisa genética num curto espaço de
tempo.Um exemplo prático foi o processo que a Myriad accionou contra a Universidade da Pensilvânia, por desenvolver pesquisas neste campo, e que é usado como argumento na acção interposta em 2009 pela União Americana de Liberdades Civis contra a Myriad.
Em 2010, o Tribunal de Nova Iorque deu razão à ACLU, que alega a inconstitucionalidade das patentes argumentando que impede as pesquisas médicas, mas um recurso apresentado pela Myriad julgou a favor da empresa. A palavra final cabe agora aos juízes do Tribunal Supremo, que vão proferir uma decisão até final de Junho.
Só para se ter uma ideia do que está em causa, os testes feitos por Angelina Jolie para detectar o risco de cancro da mama e dos ovários custam entre três a seis mil dólares. Se a Myriad não tivesse as patentes, poderiam ser feitos por outras entidades com um custo de 50 dólares.
Como é bom de ver, é muito dinheiro que está em causa numa guerra que joga com a vida das pessoas.
*Publicada no dia 24 de Maio de 2013
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