A cadeia britânica de «roupa low-cost» não se limitou, como anunciou em comunicado, a prestar ajuda às vítimas. A Primark, do grupo Associated British Food, exortou as outras companhias do sector associadas a empresas que tinham fábricas no edifício a fazerem o mesmo.
Durante anos, a Primark, bem como a marca espanhola Mango, venderam vestuário feito em condições de escravatura. Os seus administradores conheciam as condições que os trabalhadores no Bangladesh enfrentavam. No prédio que desabafou, nos arredores de Dacca, trabalhavam mais de três mil pessoas. A maioria ganhava menos de 40 dólares por mês. Muito pouco por 10 horas diárias, seis dias por semana.
Os baixos custos proporcionados pelas condições sub-humanas da indústria do vestuário no Bangladesh atraíram empresários de todo o mundo que fizeram deslocar para aquele país, um dos mais pobres do mundo, a produção, associando-se a empresas locais, sem quaisquer preocupações laborais. A indústria têxtil no país floresceu, tornando-se a segunda maior do mundo, a seguir à China, representando 80 por cento das exportações do Bangladesh.
Após a tragédia do Edifício Rana Plaza, os empresários da indústria têxtil do país, que emprega mais de 40 por cento da mão-de-obra industrial do Bangladesh, apressaram-se a unir esforços para garantir condições de segurança às multinacionais ocidentais, que nunca ofereceram até aqui. Os representantes de 30 das principais marcas de roupa que fabricam ali as suas peças, quais virgens castas, manifestaram-se sensíveis ao apelo. E juntos – fabricantes e marcas – comprometeram-se a formular um plano de segurança, passando uma borracha sobre o passado e sobre as centenas de mortos que a indústria produz por ano.
Antes da tragédia do Rana Plaza, em Novembro de 2012, um incêndio numa fábrica fez 111 mortos. Mas o vento já levou as cinzas da catástrofe e os mortos não pesam na consciência dos que agora tentam lavá-la, pagando um preço baixo demais pela limpeza.
A tragédia no Bangladesh não foi esquecida no Dia do Trabalhador. Nem podia. Ela é a metáfora de um paradigma que se acentua, a pretexto da crise. O aumento do desemprego degenerou numa acentuada degradação das condições de trabalho oferecidas.
“Um título que me surpreendeu no dia da tragédia do Bangladesh foi ‘Vivia com 38 euros por mês’. Esta era a forma como eram pagas as pessoas que morreram. Isto é chamado trabalho escravo”, declarou o papa Francisco, durante a homilia do 1º de Maio no Vaticano.
Ao mesmo tempo que apelou ao fim da escravatura, o sumo pontífice lembrou que hoje há muitas pessoas que querem trabalhar, mas não podem, argumentando que uma sociedade em que “não é dada a todos a possibilidade” de ter um emprego não é uma sociedade justa.
Um recado que assenta que nem uma luva nos líderes europeus, preocupados em levar ao limite a austeridade, que apenas tem conduzido ao aniquilamento de milhões de postos de trabalho.
No último 1 de Maio não houve grandes motivos para celebrações.
Se no Bangladesh, ainda no rescaldo da tragédia de Dacca, dezenas de milhares de pessoas protestaram e exigiram a condenação à morte dos proprietários das fábricas do Rana Plaza. Em Espanha, as duas principais sindicais uniram-se e levaram milhares de pessoas para a rua para denunciar “a emergência nacional” que são os 6,2 milhões de desempregados, um quarto da sua população activa. Na Grécia, cumpriu-se mais uma jornada de greve geral. Em França, as duas principais sindicais estiveram divididas na efeméride, mas a maioria dos cidadãos defende que a criação de novos postos de trabalho deve ser a prioridade dos políticos. E, em Itália, o recém-empossado primeiro-ministro, Enrico Letta, colocou no topo das suas preocupações a criação de emprego, classificando o desemprego jovem como “o verdadeiro pesadelo”.
O retrato não é exagerado se tivermos em conta que 24% dos jovens da zona euro não têm emprego. Número que sobe para os 55,9% em Espanha e que atinge os 59,1% na Grécia.
Se “o trabalho é essencial para a dignidade”, como resume o Papa Francisco, não há como fugir à constatação: a sociedade actual é cada vez mais indigna.
*Publicada no dia 3 de Maio de 2013
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