segunda-feira, 29 de abril de 2013

Reflexões (crónica publicada no Novo Jornal*)

“Quando tenho um problema com alguém, ajuda-me assumir uma atitude que os monges egípcios tinham, no princípio do cristianismo. Acusavam-se a si mesmos para procurar um caminho de solução; punham-se no banco dos réus para ver que coisas não funcionavam dentro delas (…) Esta atitude dá-me liberdade para, depois, poder perdoar o erro ao outro.”

 
Um Tribunal de Londres condenou esta semana um empresário britânico por vender falsos detectores de bombas ao Iraque. A empresa de James McCormick vendia aparelhos semelhantes aos que se usam para encontrar bolas de golfe como se fossem detectores de explosivos. Com o negócio, feito em conluio com oficiais iraquianos que sabiam que os aparelhos não funcionavam, o empresário, de 56 anos, aumentou a sua fortuna em 77 milhões de dólares. Após uma reportagem da BBC, o governo de Londres viu-se obrigado a ordenar a proibição de exportação destes aparelhos, cujo valor comercial não ultrapassa os 26 dólares, mas que eram vendidos a 27 mil libras (mais de 41 mil dólares). A justiça avançou com um processo por fraude, que resultou terça-feira na condenação do réu. McCormick ainda alegou em tribunal que nunca recebeu “qualquer queixa dos clientes” sobre os produtos que vendeu.

 
“Uma vez, dois funcionários oficiais vieram procurar-me ao Vicariato de Flores, dizendo que tinham dinheiro para os bairros carenciados (…), ofereceram-me 400 mil pesos (77 mil dólares) para melhorar os bairros carenciados. Para algumas coisas sou muito ingénuo, mas para outras dispara-me logo o alertómetro. E dessa vez funcionou. Comecei a perguntar-lhes como eram os projectos, e eles acabaram por me dizer que, dos 400 mil pesos que eu assinaria como recebidos, só me dariam metade. Tive uma saída elegante: como os vicariatos locais não têm conta bancária e eu também não, disse-lhes que teriam de fazer o depósito directamente na cúria, que só aceita doações por cheque ou apresentando o impresso de depósito bancário. Os tipos desapareceram.”

 
Um realizador haitiano regressou ao seu país para fazer o balanço pós-sismo e, assim, explicar porque é que o Haiti continua por reconstruir, depois de muitos milhões de dólares de ajuda. O documentário de Raoul Peck, que estreia a 6 de Maio, mostra a falta de coordenação, as pequenas guerras entre agências humanitárias para obterem ajudas para auxiliar o país devastado e, o mais incrível, é que muito do dinheiro canalizado para o Haiti acabou por regressar ao país de origem. A ajuda passou pelo Haiti, mas o país continua em escombros porque o que ficou foram despojos e hipocrisia.

 
"Aconteceu qualquer coisa na nossa política, desfasou-se das ideias, das propostas… (…) Deslocámo-nos do essencial para o estético, endeusámos a estatística e o marketing. Talvez por esse motivo estejamos a cometer um pecado contra a cidadania (…)”

 
Silvano Toniolo vive nos comboios de Itália, desde que foi despejado há oito meses do pequeno apartamento que tinha em Turim. Aos 80 anos de idade, este ex-enfermeiro, mantém o que lhe resta da dignidade humana graças a um passe de inválido que lhe permite viajar gratuitamente. O ex-missionário no Uganda salta de comboio em comboio, apenas com uma mochila preta como bagagem. Não é um sem-abrigo, antes um viajante do tempo, dos muitos que a crise deixou entregues à sua sorte. Uma crise que não é só europeia: um relatório da Câmara Municipal de Nova Iorque refere que 46% da população da cidade era, em 2011, pobre ou quase-pobre.

 
“O meu avô materno era carpinteiro, e uma vez por semana vinha um senhor de barba vender-lhe as anilhas. Ficavam um bom bocado a conversar no pátio enquanto a minha avó lhes servia uma chávena de chá com vinho. Um dia, a minha avó perguntou-me se eu sabia quem era o senhor Elpidio, o vendedor de anilhas. Afinal, tratava-se de Elpidio Gonçález, que fora vice-presidente da nação. Ficou-me gravada a imagem desse antigo vice-presidente que ganhava a vida como vendedor. É uma imagem de honestidade.”

 
O livro «Sobre o Céu e a Terra», lançado este mês, é o resultado de dezenas de horas de conversa entre o arcebispo de Buenos Aires, hoje Papa Francisco, e o reitor do Seminário Rabínico Latino-Americano, em 2010. As reflexões que Jorge Mario Bergoglio e Abraham Skorka comungam são lições de vida que vale a pena ler e analisar. O resto já não constitui novidade. É a história a repetir-se no que tem de mais desprezível.

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