O livro
«Sobre o Céu e a Terra», lançado este mês, é o resultado de dezenas de horas de
conversa entre o arcebispo de Buenos Aires, hoje Papa Francisco, e o reitor do
Seminário Rabínico Latino-Americano, em 2010. As reflexões que Jorge Mario Bergoglio
e Abraham Skorka comungam são lições de vida que vale a pena ler e analisar. O
resto já não constitui novidade. É a história a repetir-se no que tem de mais
desprezível.
Este blogue contém as crónicas publicadas pela autora no semanário angolano «Novo Jornal».
segunda-feira, 29 de abril de 2013
Reflexões (crónica publicada no Novo Jornal*)
“Quando tenho um problema com alguém,
ajuda-me assumir uma atitude que os monges egípcios tinham, no princípio do
cristianismo. Acusavam-se a si mesmos para procurar um caminho de solução;
punham-se no banco dos réus para ver que coisas não funcionavam dentro delas
(…) Esta atitude dá-me liberdade para, depois, poder perdoar o erro ao outro.”
Um Tribunal
de Londres condenou esta semana um empresário britânico por vender falsos
detectores de bombas ao Iraque. A empresa de James McCormick vendia aparelhos
semelhantes aos que se usam para encontrar bolas de golfe como se fossem
detectores de explosivos. Com o negócio, feito em conluio com oficiais
iraquianos que sabiam que os aparelhos não funcionavam, o empresário, de 56
anos, aumentou a sua fortuna em 77 milhões de dólares. Após uma reportagem da
BBC, o governo de Londres viu-se obrigado a ordenar a proibição de exportação
destes aparelhos, cujo valor comercial não ultrapassa os 26 dólares, mas que
eram vendidos a 27 mil libras (mais de 41 mil dólares). A justiça avançou com
um processo por fraude, que resultou terça-feira na condenação do réu.
McCormick ainda alegou em tribunal que nunca recebeu “qualquer queixa dos
clientes” sobre os produtos que vendeu.
“Uma vez, dois funcionários oficiais
vieram procurar-me ao Vicariato de Flores, dizendo que tinham dinheiro para os
bairros carenciados (…), ofereceram-me 400 mil pesos (77 mil dólares) para
melhorar os bairros carenciados. Para algumas coisas sou muito ingénuo, mas
para outras dispara-me logo o alertómetro. E dessa vez funcionou. Comecei a
perguntar-lhes como eram os projectos, e eles acabaram por me dizer que, dos
400 mil pesos que eu assinaria como recebidos, só me dariam metade. Tive uma
saída elegante: como os vicariatos locais não têm conta bancária e eu também
não, disse-lhes que teriam de fazer o depósito directamente na cúria, que só
aceita doações por cheque ou apresentando o impresso de depósito bancário. Os
tipos desapareceram.”
Um
realizador haitiano regressou ao seu país para fazer o balanço pós-sismo e,
assim, explicar porque é que o Haiti continua por reconstruir, depois de muitos
milhões de dólares de ajuda. O documentário de Raoul Peck, que estreia a 6 de
Maio, mostra a falta de coordenação, as pequenas guerras entre agências humanitárias
para obterem ajudas para auxiliar o país devastado e, o mais incrível, é que
muito do dinheiro canalizado para o Haiti acabou por regressar ao país de
origem. A ajuda passou pelo Haiti, mas o país continua em escombros porque o
que ficou foram despojos e hipocrisia.
"Aconteceu qualquer coisa na nossa
política, desfasou-se das ideias, das propostas… (…) Deslocámo-nos do essencial
para o estético, endeusámos a estatística e o marketing. Talvez por esse motivo
estejamos a cometer um pecado contra a cidadania (…)”
Silvano
Toniolo vive nos comboios de Itália, desde que foi despejado há oito meses do
pequeno apartamento que tinha em Turim. Aos 80 anos de idade, este ex-enfermeiro,
mantém o que lhe resta da dignidade humana graças a um passe de inválido que
lhe permite viajar gratuitamente. O ex-missionário no Uganda salta de comboio
em comboio, apenas com uma mochila preta como bagagem. Não é um sem-abrigo,
antes um viajante do tempo, dos muitos que a crise deixou entregues à sua
sorte. Uma crise que não é só europeia: um relatório da Câmara Municipal de
Nova Iorque refere que 46% da população da cidade era, em 2011, pobre ou
quase-pobre.
“O meu avô materno era carpinteiro,
e uma vez por semana vinha um senhor de barba vender-lhe as anilhas. Ficavam um
bom bocado a conversar no pátio enquanto a minha avó lhes servia uma chávena de
chá com vinho. Um dia, a minha avó perguntou-me se eu sabia quem era o senhor
Elpidio, o vendedor de anilhas. Afinal, tratava-se de Elpidio Gonçález, que
fora vice-presidente da nação. Ficou-me gravada a imagem desse antigo
vice-presidente que ganhava a vida como vendedor. É uma imagem de honestidade.”
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