terça-feira, 9 de abril de 2013

Verdade ou mentira (crónica publicada no Novo Jornal*)

Um consórcio mundial de jornalistas vai revelar até ao dia 15 de Abril o nome de 120 mil empresas e de 130 mil pessoas com contas em paraísos fiscais, que serviram para escoar 295 mil milhões de dólares em impostos que seriam pagos caso o dinheiro fosse depositado nos seus países de origem.
Da lista que o Consórcio Internacional de Jornalistas de Investigação (CIJI) elaborou fazem parte multimilionários do Leste e da Indonésia, empresários russos, médicos norte-americanos e traficantes de armas.
Nesta segunda-feira, duas notícias ajudaram a elevar o ânimo dos portugueses e cortaram com o ciclo de más novas com que o país tem sido fustigado. Uma dava conta da atribuição de mais verbas para apoio às artes e a outra anunciava a contratação de 596 enfermeiros.
Esta última medida levou mesmo a deputada do PSD, partido que faz parte da coligação que sustenta o Governo português, Laura Esperança, a felicitar o ministro da tutela, durante uma audição na Comissão Parlamentar da Saúde.
Só que as boas novas não passavam de mentira e resultaram de uma iniciativa da organização Mayday Lisboa 2013, com o objectivo de assinalar o dia mundial das mentiras.
“Queríamos fazer uma brincadeira, mas em tom mais sério”, afirmou a organização lisboeta, num comunicado intitulado «Mayday mentiu no 1 de Abril. Governo mente todo o ano», onde admite a autoria da iniciativa que levou o Ministério Público a abrir um inquérito para investigar o caso, que envolveu o recurso a endereços oficiais do governo, a partir dos quais foram difundidas as informações falsas.
Já a notícia sobre as offshore, que mais facilmente se confunde com a mentira, é verdadeira. O Consórcio Internacional de Jornalistas de Investigação existe e reúne 86 repórteres de 46 países e a lista que começou a ser publicada esta quinta-feira também.
Jean-Jacques Augier, o vulto da edição francês e tesoureiro da campanha eleitoral do actual Presidente da França é umas das primeiras personalidades a ver as suas contas reveladas e François Hollande, seu amigo há 30 anos, acaba por apanhar com os estilhaços.
A divulgação das contas que Augier tem em offshore, através da holding financeira Eurane, cai muito mal numa altura em que a França é agitada pelo escândalo Cahuzac, que envolve o ministro do Orçamento, entretanto afastado, por suspeitas de fraude fiscal.
Os desmentidos feitos por Jean-Jacques não chegam para serenar as águas que ficaram agitadas com a divulgação de uma investigação, que revelou que o ministro do Orçamento francês mentiu relativamente à existência de contas bancárias no estrangeiro, alegadamente para fugir ao pagamento de impostos.
É que também Jerôme Cahuzac começou por negar que tinha 600 mil euros depositados numa conta na Suíça, acabando por admitir ser verdade, o que levou Hollande a classificar o comportamento do ministro como um “ultraje” à República.
O Presidente considerou mesmo que é uma “falta imperdoável” o ministro ter enganado “as mais altas autoridades do país: o chefe de Estado, o governo, o Parlamento e, através dele, todos os franceses”. Mas a amizade com o seu tesoureiro complica a reacção de Hollande no caso que liga Augier às contas em paraísos fiscais.
O antigo ministro das Finanças da Mongólia é outro dos afectados pela iniciativa do consórcio de jornalistas de investigação. A lista revela que enquanto esteve no governo, entre 2008 e 2012, Bayartsogt Sangajav abriu a empresa Legend Plus Capital Lda que detém uma conta na Suíça.
Entre os nomes que foram divulgados esta semana estão ainda os da baronesa espanhola Carmen Thyssen, que segundo o jornal britânico «The Guardian», um dos que integram o consórcio de jornalistas, usaria as contas para comprar quadros; o Presidente do Azerbeijão, Ilham Aliyev; Olga Shuvalova, mulher do vice-primeiro-ministro russo; Tony Merchant, marido da senadora canadiana Pana Merchant; e Denise Rich, ex-mulher do magnata Marc Ricth, que em 2001 recebeu um perdão presidencial de Bill Clinton pelo não pagamento de impostos na ordem dos 100 milhões de dólares.
A divulgação dos restantes milhares de nomes de empresas e personalidades que fazem parte da lista vai, segundo o «The Guardian», provocar “um abalo sísmico” no mundo das offshore, que floresce à custa do segredo. Mas o que ela revela também é que o mundo da política e dos negócios encaixa cada vez mais no dia 1 de Abril.

*Publicada no dia 5 de Abril

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