A decisão de fechar a estação pública de televisão e rádio ERT é inusitada e constitui, não só um atentado à democracia, como um ataque à liberdade de expressão e de informação e aos valores da Europa. Apesar disso, as instituições europeias mantiveram-se caladas. A Comissão Europeia limitou-se a lavar as mãos, abrindo caminho para que o mesmo aconteça noutros países, como em Portugal, onde o espectro de encerramento da televisão pública ainda paira no ar, apesar da demissão de Miguel Relvas, o ministro que iniciou o processo de reestruturação.
Ninguém acredita em coincidências. Em Portugal, o assunto deu pano para mangas, provocou agitação e debate público. Na Grécia, os ministros do maior partido da coligação que governa o país há um ano, a Nova Democracia, decidiu arrepiar caminho. Manteve-se em silêncio. E sem aviso prévio, nem qualquer indício, assinou a certidão de óbito da ERT. Os profissionais da casa só conheceram o seu destino, quando os pivot’s da televisão anunciaram a assinatura do decreto urgente que determinava o fecho da empresa. No mesmo instante, o sinal de transmissão foi cortado e os aparelhos ficaram a negro, mergulhando o país num imenso e barulhento luto.
É chocante a decisão do governo de Samaras, mas é igualmente escandalosa a permissividade das instâncias europeias, um espaço geográfico que se juntou numa união económica e política, mas que atirou para as urtigas o princípio da solidariedade, presente no momento fundador.
A cadeia de televisão belga Téle Bruxelles fez-se porta-voz da indignação e substituiu o seu logotipo pela sigla «ERT Solidarité» esta quinta-feira. "Este gesto simbólico visa mostrar que nenhuma televisão europeia, e certamente aquela que está na capital da Europa, fica indiferente à situação da ERT e dos profissionais que lá trabalham", afirmou em comunicado o canal belga, que é financiado por fundos públicos.
Como refere o comunicado da Téle Bruxelles, “qualquer que seja o debate sobre a gestão da empresa, nada justifica o corte brutal da emissão", manifestando estar "preocupada com os riscos para a democracia que a decisão faz pesar sobre a Grécia".
As desculpas usadas pelo governo grego para fechar a televisão pública não passam disso: desculpas. Não se encerra uma empresa, por mais evidências que existam de que ela é um “foco de opacidade e desperdício”; chama-se a sua administração, sancionam-se os responsáveis pelo regabofe e substitui-se quem alienou os seus interesses por gestores mais capacitados. Não se fecha um canal para depois voltar a abri-lo com uma estrutura mais eficaz, como garante o governo grego; reestrutura-se e redimensiona-se a organização com ela em funcionamento.
O despedimento dos 2.700 funcionários da ERT, no quadro da dispensa de 15 mil funcionários público imposto pela troika como contrapartida para a libertação de uma nova tranche de 8,8 milhões de euros do programa de ajustamento económico e financeiro, também não pode ser apresentado como argumento e não é razoável do ponto de vista da racionalidade. Há serviços públicos que não podem ser alienados e ponto final. Este é um deles.
Além do mais, os custos deste serviço público é pago directamente pelos cidadãos gregos. São eles que financiam a televisão e rádio públicas, através da taxa de audiovisual de 4,30 euros que todos os meses pagam na factura de electricidade.
Lavando as mãos, num gesto público, Olli Rehn, comissário europeu responsável pelos assuntos económicos e financeiros, negou qualquer responsabilidade na decisão do governo grego, no final de um debate no Parlamento Europeu, onde foi fustigado por vários deputados por causa das receitas dolorosas de austeridade impostas a países como Portugal e a Grécia. A Comissão Europeia limitou-se a dizer que a televisão pública representa “o lugar essencial da democracia europeia”, como se o discurso bastasse.
O luto que caiu sobre a Grécia, depois de ter sido cortado o sinal da ERT, desloca-se como nuvem pela Europa e ninguém consegue prever a sua trajectória. Mas aqui há que atentar às palavras do poeta e pintor inglês oitocentista: “Quando a imprensa não fala, é o povo que não fala” E, na Grécia, Samaras não quis calar a televisão. Ambicionou calar o povo.
*Publicada no dia 14 de Junho de 2013
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