O jovem fotógrafo do jornal local «Al-Horia Wa Al-Adala» regista o tiroteio. De câmara em punho, foca um soldado que dispara repetidas vezes contra a multidão. De repente, a trajectória da arma muda. O soldado gira a espingarda e aponta-a na direcção de Ahamed Samir Assem. Uma bala atinge o jornalista, que tomba inerte. O momento fica registado na câmara do repórter, de 26 anos.
“Por volta das seis da manhã um homem entrou na redacção do jornal com uma câmara coberta de sangue e afirmou que tinham ferido um dos nossos colegas”, relatou Ahmed Abu Zeid. Uma hora depois, o editor de Cultura do «Al-Horia Wa Al-Adala» recebe a notícia de que “Ahmed tinha sido baleado por um franco-atirador enquanto gravava imagens dos soldados a disparar para os manifestantes do alto dos edifícios”.
A versão apresentada é desmentida pelas imagens captadas pelo fotógrafo, que se tornou num testemunho das atrocidades cometidas pelo exército egípcio. Assem foi o único repórter que gravou o desenrolar dos acontecimentos. “Começou a gravar desde o início dos confrontos e, por isso, pode-se ficar a saber que houve dezenas de mortos”, descreveu Abu Zeid, acrescentando que a câmara foi “guardada como prova da violação dos direitos humanos que se cometeu naquele dia” por uma força que tem a função de defender os cidadãos. Em vez disso, atacou-os fria e deliberadamente. Ahmed estava lá. Morreu, mas deixou um testemunho vivo e que não deixa margem para manipulações.
Samir, que morreu nos confrontos do dia 30 de Junho, é a vítima mais recente do relatório da ONG suíça «Press Emblème Campagne», que faz o levantamento dos jornalistas mortos no primeiro semestre de 2013. De Janeiro a 30 de Junho deste ano, morreram em trabalho 56 repórteres, o que representa uma diminuição em relação a igual período do ano anterior, em que morreram 75 profissionais. Mas 2012 foi um ano particularmente negro, em 15 anos nunca tantos jornalistas foram mortos em serviço.
No final de Dezembro de 2012, o Instituto de Imprensa Internacional contabilizava 119 repórteres mortos no exercício da profissão. A jornalista americana ao serviço do jornal britânico «Sunday Times» foi uma das mortes mais comentadas.
Marie Colvin sobreviveu a vários momentos críticos - no Sri Lanka perdeu um olho quando fazia a cobertura da guerra civil - mas não resistiu aos bombardeamentos do exército sírio contra uma casa, em Homs, que era utilizada como centro de imprensa e por militantes anti-regime. Remi Ochlik, fotógrafo francês premiado pela World Press Photo por imagens captadas na Líbia, morreu ao seu lado. A dupla tornou-se símbolo da violência contra os jornalistas nesse ano.
É preciso recuar a 2009 para quase igualar o número de jornalistas mortos em serviço, quando foram assassinados 110 repórteres.
Para além das mortes, os sequestros tornaram-se uma arma contra os jornalistas. Nesse capítulo, 2013 está a ser um ano particularmente grave. Os sequestros tornaram-se prática corrente na Síria, onde há registo de sete jornalistas estrangeiros detidos ou desaparecidos, tal como aconteceu no Iraque, entre 2003 e 2006. Honduras e Iémen também figuram na lista das preocupações das organizações internacionais.
Com o número de conflitos a subir no mundo é cada vez mais perigoso o exercício da profissão, mas os fenómenos globais aconselham uma atenção redobrada e uma maior presença dos media no terreno.
“O assassinato de um jornalista é a forma mais cruel e pavorosa de censura. Se não formos capazes de acabar com a impunidade, os homicídios vão continuar”, afirmou o subdirector do Instituto de Imprensa Internacional, Anthony Mills, a propósito do Dia Internacional contra a Impunidade, que se celebrou no ano passado a 23 de Novembro.
O soldado egípcio que atirou, no dia 30 de Junho, contra o repórter do jornal «Al-Horia Wa Al-Adala» tinha a intenção de o executar. As imagens captadas por Ahmed Samir Assem são prova disso e podem servir para ajudar a acabar com um descarado sentimento de impunidade, que faz matar a sangue frio.
*publicada no dia 12 de Julho de 2013
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