quarta-feira, 7 de agosto de 2013

Infâmia (crónica publicada no Novo Jornal*)

Um deputado francês está na eminência de ser expulso do partido de centro-direita União de Democratas e Independentes por ter feito comentários xenófobos.
Gilles Bourdouleix, que acumula o cargo de presidente da Câmara de Cholet, no oeste da França, responde também numa acção legal interposta pelo Estado, depois de afirmar que “Hitler talvez não tenha matado ciganos em número suficiente”.
O verniz estalou, no domingo, depois de um grupo de etnia cigana da Roménia estacionar as suas caravanas num descampado da autarquia dirigida por Bourdouleix.
A tensão cresceu após uma reunião entre o presidente da Câmara e os membros da comunidade cigana, com estes a acusaram o autarca de racismo e a dirigirem-lhe a saudação Nazi, depois de Gilles informar que tinham de abandonar o local.
Numa reconstituição do incidente, o jornal local «Le Courrier de L’Ouest» afirma que um homem disse a Bourdouleix: “Fala melhor que o Sarkozy (antigo Presidente de França)”, ao que Gilles, de 53 anos, respondeu que a “lei tem de ser respeitada”. A troca de palavras precipitou a frase fatal.
Consciente da gravidade do seu acto, o presidente/deputado negou ter feito o comentário, insistindo na mistificação após o jornal publicar, no seu site, uma gravação bem audível do que tinha dito. Bourdouleix afirmou estar a ser vítima de uma “escandalosa montagem” e ameaçou processar a publicação.
Este é o segundo caso de comentários racistas na política europeia, no espaço de pouco tempo. Há uma semana, o senador italiano e membro do partido de direita Liga Norte, Roberto Calderoni, comparou a ministra da Integração, Cécile Kyenge, de origem congolesa, a um orangotango.
A infeliz comparação foi feita durante um encontro onde o partido, conhecido pelas suas posições anti-imigração, comentava o elenco do novo primeiro-ministro italino Enrico Letta.
Calderoni - que não é um senador qualquer, é o vice-presidente do Senado - considerou que Cecile Kyenge “faz bem em ser ministra”, mas “talvez devesse fazê-lo no seu país”, a República Democrata do Congo. E, não satisfeito com a boçalidade, afirmou: “Consolo-me quando ando a navegar pela internet e vejo fotos do Governo. Eu amo os animais, quando vejo as imagens de Kyenge, não posso deixar de pensar nas semelhanças com um orangotango, mesmo que não diga que ela é um deles”.
As declarações de Bourdouleix e Calderoni são reveladoras do carácter de quem as profere, mas são também inadmissíveis em titulares de cargos políticos. É, por isso, incompreensível a forma díspar como foram recebidas.
Em França, as instituições não se limitaram a palavras de pesar, como aconteceu em Itália, demonstrando bem a maturidade das duas democracias.
Enquanto em Itália, o primeiro-ministro se limitou a afirmar que a declaração é “inaceitável”, “ultrapassa todos os limites” e são “uma grande vergonha para o país”, deixando o senador a virar-se para o lado em que dorme melhor; em França, a frase de Bourdouleix desencadeou uma reacção institucional.
O gabinete da prefeitura local interpôs uma acção contra o deputado, por glorificação de crimes contra a Humanidade, e o partido a que pertence vai reunir para discutir a sua possível expulsão.
Grupos dos direitos humanos têm alertado para uma tensão crescente em França contra as comunidades nómadas, depois de vários políticos de direita se terem manifestado contra os acampamentos ilegais. O ex-Presidente francês, Nicolas Sarkozy, de direita, foi ele próprio um catalisador destes comportamentos ao reagir à vaga de ciganos romenos em França com a ameaça de expulsão.
Em Itália, o ex-primeiro-ministro Silvio Berlusconi inaugurou uma forma de fazer política, baseada em comentários tolos, que fizeram escola e só isso justifica as palavras de Calderoni, que mais tarde veio fazer um mea culpa, pediu perdão à ministra e afirmou que nunca mais atacará um adversário político com ofensas, que classificou como “execráveis”.
Cecile Kyenge optou por não inflamar os ânimos: “Não levo pessoalmente as palavras de Calderoli, mas fico triste pela imagem que dão de Itália”.
Se um, o francês, deixa entender que não se importava muito que as pessoas que estavam perante si estivessem mortas, o italiano “apenas” comparou um ser humano a um macaco. Mas não vale a pena pensar que uma frase é menos ignominiosa que a outra. Nascem ambas do mesmo húmus: o desprezo pelo outro.

* publicada no dia 26 de Julho de 2013

Sem comentários:

Enviar um comentário