segunda-feira, 12 de agosto de 2013

Minutos fatais (crónica publicada no Novo Jornal*)

Dias depois do acidente na Galiza, que provocou a morte a 79 pessoas (as autoridades chegaram a avançar com 80 mortos), o governo da Argentina divulgou os resultados de uma acção de vigilância que colocou a nu comportamentos negligentes dos maquinistas que operam os comboios no país.
Preocupado com uma série de acidentes ferroviários, o governo argentino resolveu colocar câmaras de vigilância nas cabines dos maquinistas e, no espaço de um mês, reuniu um conjunto de imagens impressionantes e que, de alguma forma, justificam a elevada sinistralidade.
Apesar da polémica que poderia suscitar, o ministro dos Transportes, Florencio Randazzo, divulgou publicamente as imagens e anunciou um conjunto de medidas adicionais para pôr termo a comportamentos negligentes.
As imagens mostram os maquinistas a ler, a falar ao telemóvel e até a dormir aos comandos das composições. Numa das viagens, durante a qual o comboio cruza 15 passagens de nível, o maquinista cai várias vezes no sono, nalguns casos durante minutos. Minutos de desatenção que podem redundar em tragédia, como sucedeu, em Fevereiro de 2012, quando um acidente de comboio na Argentina matou 51 passageiros e feriu outros 700. Ou, já este ano, quando, no dia 13 de Junho, um descarrilamento em Buenos Aires vitimou mortalmente três pessoas e provocou 155 feridos, desencadeando as investigações que resultaram na detecção de comportamentos negligentes entre os maquinistas.
Para além de exames de controlo de álcool e drogas, os maquinistas argentinos vão agora ser sujeitos a estudos de oxigénio no sangue, para determinar se têm propensão para dormir, e fica proibido o uso de telemóveis, bem como a presença na cabine de pessoas que nada têm a ver com o serviço.
Também na Galiza, bastaram escassos minutos de desatenção para gerar uma das maiores tragédias na ferrovia espanhola e um “peso tremendo” que o maquinista “vai carregar toda a vida”, como afirmou o próprio, num dos interrogatórios judiciais que estão a decorrer para determinar as responsabilidades de Francisco José Garzón Amo no acidente.
As inquirições e a audição das “caixas negras” põem em evidência a responsabilidade de Garzón, de 52 anos, mas mostram também que não terá sido o principal causador da tragédia.
O registo áudio das "caixas negras" revelou que, no momento do acidente, o maquinista falava ao telefone com alguém da companhia ferroviária espanhola, Renfe, que lhe ligou "para indicar o caminho que o comboio devia seguir ao chegar a Ferrol", destino final e estação a seguir à de Santiago de Compostela.
Esta conversa - ocultada pelo maquinista, que terá dito que “não queria envolver ninguém” - revela um comportamento negligente, não de Francisco Garzón, mas do controlador. Antonio Martín Marugán ligou, através de telemóveis da empresa, numa altura em que a atenção do maquinista devia estar concentrada nos procedimentos necessários para diminuir a velocidade do comboio, uma vez que ia passar da linha de alta velocidade para um troço normal.
- “Como estás?”
- “Bem, estamos a chegar.”
- “Quando entrares, entra pela via dois.”
- “Não te ouço bem…”
O pequeno excerto da “caixa negra” é interrompido e, segundos depois, a composição descarrilha.
A imprensa espanhola, que refreou o ímpeto inicial contra o maquinista, refere que o protocolo da Renfe só permite chamadas telefónicas no interior do comboio em situações de emergência, mas vários maquinistas denunciam que este recurso excepcional é recorrente.
“Infelizmente, ligam-nos muitas vezes (por telemóvel), de forma injustificada”, afirmou ao «El País» um maquinista, notando que costumam atender o telemóvel da empresa por recearem tratar-se de um “aviso importante, ou uma emergência, como um obstáculo atravessado na linha”.
Mais uma vez, o que justificou a chamada não era uma emergência, como demonstra a conversa registada na “caixa negra”. O controlador ligou por um motivo fútil e, por isso, devia colocar-se no lugar de Garzón no banco dos réus. A ferida que o maquinista galego carrega já ninguém consegue sarar, mas a sua responsabilidade deve ter a exacta medida do seu acto.
A Renfe também não sai ilesa. Será que um único homem deve ter nas suas mãos a vida de tantas pessoas ou, como acontece nos aviões, o maquinista devia ter um coadjutor? Esta é a pergunta que ainda ninguém levantou.

*Publicada no dia 2 de Agosto de 2013

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