quarta-feira, 14 de agosto de 2013

O logro (crónica publicada no Novo Jornal*)

O irão pretende virar a página, com a eleição de um moderado para a Presidência, e apagar os anos de extremismo de Mahmoud Ahmadinejad, mas deixou claro na tomada de posse do novo líder que não vai renunciar ao seu papel de actor político.
No primeiro discurso como Presidente iraniano, Hassan Rohani declarou que está disponível para assumir o diálogo como instrumento para mudar a página, mas tornou evidente que não está disponível para monólogos.
“A única solução para falar com o Irão é o diálogo em pé de igualdade e o respeito mútuo”, afirmou Rohani, perante uma plateia de convidados, onde se notou a ausência de líderes europeus e dos EUA (pela primeira vez foram todos convidados), embora as suas palavras tivessem precisamente como alvo a presidência norte-americana.
“Se querem a resposta certa, não falem com o Irão na linguagem das sanções, falem na linguagem do respeito”, declarou o novo Presidente, frisando que “não é possível fazer ceder o povo iraniano através de sanções e ameaças de guerra”.
A resposta norte-americana não tardou e tinha na ponta da caneta a questão nuclear, com a qual os EUA resumem o conflito que mantêm com o Irão há décadas e do qual não escapou sequer o Presidente reformista Mohammad Khatami, antecessor de Ahmadinejad.
“A tomada de posse de Rohani é uma oportunidade para o Irão resolver as profundas preocupações da comunidade internacional face ao programa nuclear do país”, reagiu o porta-voz de Barack Obama, Jay Carney, tentando colocar de joelhos o homem que tenta conciliar o Irão com o mundo.
Numa demonstração de como pretende mudar a face do país, Hassan Rohani chamou antigos ministros da administração Khatami para com ele formarem governo – dois deles para pastas importantes, como os Negócios Estrangeiros e os Petróleos. E com esse sinal estendeu a mão ao Ocidente, num gesto que, segundo a investigadora iraniana e activista feminina a residir em Paris, Azadeh Kian, devia ser bem aproveitado, em vez de se tentar “impor uma rendição sem condições”.
A política dos EUA para o Médio Oriente e o mundo Árabe é um somatório de fracassos que a história ainda não julgou convenientemente e que nem o actual Presidente Obama parece querer inverter, como se chegou a intuir após o seu discurso na Universidade do Cairo, no Egipto, poucos anos antes de a Primavera Árabe mergulhar o norte de África num turbilhão de instabilidade política.
Assumindo-se cada vez mais como polícia do mundo, como se tivesse mandato internacional para assumir sem reservas um paternalismo global, os EUA tornaram a agenda nuclear no papão para subjugar todos os países que se opõem aos seus interesses e esmagar, assim, a sua soberania nacional
No Médio Oriente, apenas o aliado Israel está autorizado a ter um programa nuclear; os outros países abdicam em favor da protecção norte-americana.
A guerra do Iraque, que tinha mascarada na ameaça nuclear os interesses económicos do tio Sam, é uma experiência de laboratório para a história. Estão lá os componentes todos, como bem descreve o escritor argelino Yasmina Khadra, no seu livro «As sirenes de Bagdad», uma experiência literária de grande fôlego, considerada pela revista francesa Lire como um dos 20 melhores romances de 2006, num dos diálogos sobre a guerra do Iraque.
“Os EUA estão ao corrente de duas coisas extremamente preocupantes para os seus projectos hegemónicos: em primeiro lugar, o nosso país estava quase a dispor plenamente da sua soberania: a arma nuclear. Com a nova ordem mundial, só as nações que dispõem de arsenal nuclear são soberanas; hoje em dia, as outras não passam de potenciais focos de tensão, celeiros providenciais para as grandes potências. O mundo é gerido pela finança internacional para a qual a paz é um desemprego técnico. Questão de espaço vital… Em segundo lugar, o Iraque era a única força militar capaz de fazer frente a Israel. Pô-lo de joelhos é permitir que Israel tome conta da região. Estas são as duas verdadeiras razões que levaram à ocupação da nossa pátria. Saddam é poeira atirada aos olhos”.
O ex-oficial superior do exército argelino Mouhammed Moulessehoul, que escreve sob o pseudónimo Yasmina Khadra, descreve magistralmente o período pós guerra no Iraque e a violência brutal do exército americano, só não responde até quando é que se irá manter o “logro” que serve apenas para subjugar uma parte importante do mundo.

*Publicada no dia 9 de Agosto de 2013

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