sábado, 7 de setembro de 2013

I have a dream (crónica publicada no Novo Jornal *)

“Estou feliz por me juntar a vocês hoje naquilo que vai ficar para a história como uma grande demonstração pela liberdade na História da nossa Nação”.
Há 50 anos, Martin Luther King começava com esta frase o discurso que viria a desencadear uma das mais importantes transformações na sociedade norte-americana e que permitiu concretizar o desejo dos arquitectos da Constituição que, na Declaração da independência, proclamaram o “inalienável direito” de todos os homens à “vida, liberdade e felicidade”.
«Eu tenho um sonho» é, segundo uma pesquisa da Universidade de Winsconsin, nos EUA, o discurso “mais importante do século 20”, mas é também um sonho que fica por concretizar porque a marcha faz-se, cada vez mais, com passos desiguais.
Isso mesmo realçou Barack Obama, na cerimónia de evocação dos 50 anos do discurso proferido por Luther King na Marcha por Emprego e Liberdade, de 28 de Agosto de 1963, em Washington.
Os oradores de 1963 afluíram à capital política do país, para pedirem emprego decente e oportunidades económicas para todos e o fim da segregação social. O último desejo concretizou-se, mas os dois primeiros ficaram pelo caminho, com a crise financeira e económica a agravar o fosso.
É, pois, o sonho de uma igualdade económica para todos os americanos que o Presidente Obama reeditou, num discurso que fez questão de actualizar: igualdade de oportunidades para o “segurança negro, o operário siderúrgico branco e o lavador de pratos imigrante…”
Obama não colocou a tónica nas questões raciais – já o tinha feito há cerca de um mês, quando o homicida de um adolescente negro foi inocentado em tribunal e, num discurso transmitido pela televisão, disse que Trayvon Martin era ele próprio com aquela idade. O Presidente dos EUA preferiu responsabilizar todos os cidadãos pelo curso que o país toma, ao afirmar que “manter as conquistas” feitas “requer vigilância constante, em vez de complacência”.
“A mudança não vem de Washington, mas para Washington”, afirmou Barack Obama. “A Marcha de Washington mostrou-nos que não somos reféns dos erros da história. Somos mestres do nosso destino”, acrescentou, exortando a uma vigilância colectiva, que não deve deixar ninguém de fora.
O sonho de Martin Luther King não se esgota nas duas bandeiras erguidas durante a marcha de 1963. Ele perpassa todas as necessidades do ser Humano e abrange serviços tão fundamentais, como os cuidados médicos, que são cada vez mais um negócio
Neste capítulo, a Presidente do Brasil dá-nos um bom exemplo. Quebrando o proteccionismo económico, o governo brasileiro abriu as portas a médicos estrangeiros que queiram trabalhar onde as populações estão desguarnecidas.
O primeiro grupo de médicos chegou esta semana. São de várias nacionalidades, mas foram sobretudo os cubanos – um contingente que pode chegar aos quatro mil - que suscitaram maior reacção dos clínicos brasileiros. Uma enorme vaia tomou forma, mas foi abafada pelos aplausos dos muitos cidadãos que, no interior do país, sobretudo nas regiões da Amazónia, e nas periferias das grandes cidades não têm quem deles cuide. Não tinham. Vão passar a ter, graças aos médicos estrangeiros que vão para onde os colegas brasileiros não querem ir e onde as taxas de mortalidade desequilibram as estatísticas. Era uma das razões dos protestos que incendiaram as ruas em Julho. O governo ouviu-os, como prometeu Dilma na primeira reacção às manifestações em São Paulo, Brasília e no Rio de Janeiro.
Este não é um problema exclusivo do Brasil. O exercício da medicina, pela escassez de profissionais, tornou-se um instrumento de poder, com um potencial económico grande.
No Brasil, como em Portugal, na Argentina, em Espanha ou em Angola, os médicos concentram-se nas grandes cidades, onde há poder económico e qualidade de vida consentânea com o seu estatuto. E, no interior, as populações ficam entregues à sua sorte ou, então, a médicos estrangeiros, quando os há. Os cubanos são os que mais lacunas preenchem, com um contingente de 38.868 profissionais de saúde espalhados por vários países, 15.407 deles médicos. No Brasil, foram apupados por colegas nacionais, alguns chegaram a ser agredidos. As imagens correm mundo nas redes sociais. A Presidente Dilma Rousseff mantém-se firme e denuncia o “imenso preconceito” dos médicos brasileiros. O povo aplaude e respira, porque também tem direito a fazer parte do sonho.

*publicada no dia 30 de Agosto de 2013

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