segunda-feira, 30 de setembro de 2013

Dar e comunicar (crónica publicada no Novo Jornal*)

A mulher agarra a criança e arrasta-a para a rua, aos gritos: “ladrão”. Uma miúda, sensivelmente da mesma idade, e o seu pai, dono de um restaurante, testemunham a gritaria.
“O que roubaste?”. O rapaz exibe um frasco de xarope e vários comprimidos. “O que vais fazer com isto?” - insiste a mulher.
O dono do restaurante ordena à senhora que pare. A criança permanece imóvel, olhos para baixo. “A tua mãe está doente?” - indaga o homem. O miúdo acena com a cabeça que sim. Não tira os olhos do chão. O proprietário do restaurante entrega várias notas à mulher e recebe os medicamentos.
O homem pede à filha que traga um saco de comida. Pega na bolsa de plástico transparente, coloca os medicamentos no seu interior e entrega ao menino. A criança ergue o olhar, fixa-o no homem, pega no saco e corre.
Trinta anos depois, pai e filha servem no mesmo restaurante. A filha chama o pai e indica a porta, onde um mendigo suplica comida. O homem pega num saco, entrega-o e devolve o olhar ao grelhador. De repente cai, a jovem corre na sua direcção e, numa fracção de segundo, o cenário muda.
Num hospital, o homem recupera de uma operação ao cérebro. Um médico olha o paciente deitado, rabisca um papel e sai.
A filha recebe a conta das mãos de uma enfermeira, no valor de 792,000 Baht. Quantia demasiado elevada para os rendimentos da família. A rapariga chora, com o papel na mão. Fala com o médico - um rapaz de óculos, sensivelmente com a sua idade - que olha atentamente, sem articular uma palavra.
À porta do restaurante, um aviso assinala a venda do imóvel. É urgente.
De novo no hospital, a filha chora sobre a cama do pai. Quando levanta a cabeça, vê um envelope, de onde retira um novo documento de cobrança, com a conta a zero. Na parte inferior do papel, há uma anotação: “Todas as despesas foram pagas há 30 anos, com três pacotes de medicamentos para as dores e um saco de comida”. Está assinado pelo dr. Prajak Arunthong, o rapaz a quem, três décadas antes, o dono do restaurante devolveu os medicamentos que o ajudaram a aliviar as dores da sua mãe.
Esta história faz parte do anúncio de uma operadora móvel tailandesa e está a comover o mundo. Em apenas seis dias, o anúncio «Giving» da True Move H tornou-se viral, com milhões de visualizações nas redes sociais.
A história em si não traz nada de novo. Há inúmeras histórias que atestam o poder da dádiva e a influência que isso tem na vida das pessoas. O que é inédito é que uma operadora móvel escolha como tema de uma campanha de marketing, feita com o objectivo de gerar lucro, o lema “A generosidade é a melhor forma de comunicação”. A reacção ao anúncio prova que foi uma boa aposta.
A comunicação tem, de facto, um poder ilimitado, para bem e para o mal, por isso não há instituição hoje que não se rodeie de especialistas que a ajudem a transmitir eficazmente a sua mensagem.
No meio da comunicação profissional, há os virtuosos. Os que dispensam a manipulação, os que se limitam a transmitir aquilo que é a sua essência e que permanece intacta, mesmo quando são titulares de cargos que transcendem a sua individualidade. Nelson Mandela é um desses casos. O Papa Francisco dá mostras de ser outro e arrisca-se a ficar na História como o Homem que revolucionou a igreja e que a devolveu à sua função bíblica: a de estar ao serviço de quem precisa.
Depois de vários episódios que demonstram que há uma nova liderança entre os católicos e uma inversão no curso que a igreja vinha seguindo, o Papa Francisco referiu-se esta quinta-feira a um novo escândalo no seu seio: a dos “bispos aeroporto”, que passam o tempo em viagem, em vez de estarem junto dos fiéis.
Num encontro com prelados do Médio Oriente, nos quais se incluíam dois sírios, o sumo pontífice pediu que os bispos “permaneçam” entre o seu povo, com quem estão casados, e que se mantenham nas suas dioceses, “sem procurar mudanças e promoções”.
"Sejam pastores que recebem, que caminham ao lado do vosso povo, com afeição, misericórdia, um comportamento doce e firmeza paternal, com humildade e discrição também, capazes de terem consciência dos vossos limites e de ter uma boa dose de humor", acrescentou o papa Francisco, exortando-os a abandonarem a “psicologia de príncipes” que atinge alguns bispos.

Dar é uma boa forma de comunicar. A comunicação com humor também é uma dádiva. Juntos compõem uma fórmula, cientificamente confirmada.

*20 de Setembro de 2013

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