segunda-feira, 7 de abril de 2014

História (crónica publicada no Novo Jornal*)

A escola francesa tem dado cartas na historiografia mundial, com uma mão cheia de historiadores que revolucionaram a forma de fazer história, incorporando no seu estudo métodos das Ciências Sociais.
A escola dos Annales, que vai buscar o seu nome à revista francesa «Annales d’histoire économique et sociale», partiu de uma conjuntura particularmente difícil. O mundo confrontava-se com a Grande Depressão, crise que assolou os Estados Unidos em 1929, alastrando à Europa, com particular gravidade na Alemanha e em França.
Com o impulso de Lucien Febrve e Marc Bloch, a escola dos Annales não pretendia ficar-se pela visão positivista da história como crónica de acontecimentos. Queria ir além, substituindo o tempo breve da história dos acontecimentos pelos processos de longa duração, estudando a civilização e as mentalidades.
Enquanto as anteriores correntes colocavam ênfase na política, diplomacia e nas guerras, a escola dos Annales privilegiava os métodos pluridisciplinares para fazer um retrato mais fiel, recorrendo também ao estudo da sociologia, psicologia, economia e geografia humana para explicar os eventos e transformações políticas.
A História dos Annales recusava a simples enumeração dos eventos, “esforçando-se, ao contrário, por expôr e resolver problemas e, negligenciando as trepidações da superfície, procurava situar no longo e médio prazos a evolução da economia, da sociedade e da civilização”, como explicou Georges Duby, um dos autores da nova escola, no prefácio do seu livro «O domingo de Bouviness»
Jacques Le Goff, que morreu esta terça-feira, aos 90 anos, pertenceu e conduziu a terceira geração dos Annales, conhecida como «A Nova História». Corrente que partia do pressuposto que toda a actividade humana é considerada história. Com os seus métodos, transformou a forma como o mundo olha para a Idade média, até aí considerada a idade das trevas, dando-lhe uma dimensão diferente daquela com que tinha sido grafada e com a qual explicou porque se situa ali uma civilização que antecede o mundo moderno.
Na Pátria da escola dos Annales e berço de Jacques Le Goff, a história recente anda aos tropeções.
Após uma derrota histórica nas eleições autárquicas, o Presidente francês sacrificou o primeiro-ministro Jaen-Marc Ayrault e escolheu para o seu lugar o ministro mais controverso do seu governo, Manuel Valls, mas aquele que mantém níveis mais elevados de simpatia nas sondagens, graças a um discurso xenófobo, mais próximo da extrema-direita de Marine Le Pen – que, nestas eleições, alcançou um resultado histórico próximo dos sete por cento - do que de um partido que se diz de esquerda.
Hollande, como metaforizou o jornal Le Monde, misturou no seu governo água com o vinho, o que não antecipa bons resultados, porque, como se sabe, é uma mistura que não dá, nem bom vinho, nem boa água.
Hollande, que foi conduzido à presidência do país, em 2012, com promessas de unir os franceses após “anos e anos de feridas e queimaduras”, não tem sido um factor de união. Tão pouco se constituiu como farol para os povos que olhavam para ele com a esperança que “a austeridade acabe”, como chegou a dizer na campanha presidencial.
O actual Presidente francês não só não cumpriu o que prometeu, como se tem mostrado incapaz de reactivar a economia e travar o desemprego. As sondagens começaram por ser o reflexo do descontentamento dos franceses. E as eleições municipais mostram claramente um cartão vermelho, com os socialistas a protagonizar uma derrota expressiva.
Depois de sacrificar o primeiro-ministro, Hollande tirou da cartola o liberal Valls (que já propôs a mudança do nome do partido para retirar a palavra socialista) e entregou-lhe a chefia do governo. E foi buscar um assumido defensor do proteccionismo económico, conhecido pelas posições anti austeridade, para a pasta da Economia, que, neste governo, foi separada das Finanças.
Jacques Le Goff, como os seus antecessores, não se ficou pela rama dos acontecimentos. Foi mais fundo. Analisou o substracto. Estudou o homem, nas suas várias dimensões (social, cultural, religiosa, económica…), para chegar aos eventos que marcaram a história. Só assim se consegue explicar e antecipar a repetição de acontecimentos disruptivos, emendando o curso da história, quando é necessário.

Mas, como se vê pelas últimas duas décadas, a elite política francesa, ou nunca leu Le Goff, ou há muito deixou de o ler. Infelizmente.

*Publicada no dia 4 de Março de 2014

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