A escola francesa tem dado cartas na historiografia mundial,
com uma mão cheia de historiadores que revolucionaram a forma de fazer
história, incorporando no seu estudo métodos das Ciências Sociais.
Com o impulso de Lucien Febrve e Marc Bloch, a escola dos
Annales não pretendia ficar-se pela visão positivista da história como crónica
de acontecimentos. Queria ir além, substituindo o tempo breve da história dos
acontecimentos pelos processos de longa duração, estudando a civilização e as
mentalidades.
Enquanto as anteriores correntes colocavam ênfase na
política, diplomacia e nas guerras, a escola dos Annales privilegiava os
métodos pluridisciplinares para fazer um retrato mais fiel, recorrendo também
ao estudo da sociologia, psicologia, economia e geografia humana para explicar
os eventos e transformações políticas.
A História dos Annales recusava a simples enumeração dos
eventos, “esforçando-se, ao contrário, por expôr e resolver problemas e,
negligenciando as trepidações da superfície, procurava situar no longo e médio
prazos a evolução da economia, da sociedade e da civilização”, como explicou
Georges Duby, um dos autores da nova escola, no prefácio do seu livro «O
domingo de Bouviness»
Jacques Le Goff, que morreu esta terça-feira, aos 90 anos,
pertenceu e conduziu a terceira geração dos Annales, conhecida como «A Nova
História». Corrente que partia do pressuposto que toda a actividade humana é
considerada história. Com os seus métodos, transformou a forma como o mundo
olha para a Idade média, até aí considerada a idade das trevas, dando-lhe uma
dimensão diferente daquela com que tinha sido grafada e com a qual explicou
porque se situa ali uma civilização que antecede o mundo moderno.
Na Pátria da escola dos Annales e berço de Jacques Le Goff,
a história recente anda aos tropeções.
Após uma derrota histórica nas eleições autárquicas, o
Presidente francês sacrificou o primeiro-ministro Jaen-Marc Ayrault e escolheu
para o seu lugar o ministro mais controverso do seu governo, Manuel Valls, mas
aquele que mantém níveis mais elevados de simpatia nas sondagens, graças a um
discurso xenófobo, mais próximo da extrema-direita de Marine Le Pen – que,
nestas eleições, alcançou um resultado histórico próximo dos sete por cento -
do que de um partido que se diz de esquerda.
Hollande, como metaforizou o jornal Le Monde, misturou no
seu governo água com o vinho, o que não antecipa bons resultados, porque, como
se sabe, é uma mistura que não dá, nem bom vinho, nem boa água.
Hollande, que foi conduzido à presidência do país, em 2012,
com promessas de unir os franceses após “anos e anos de feridas e queimaduras”,
não tem sido um factor de união. Tão pouco se constituiu como farol para os
povos que olhavam para ele com a esperança que “a austeridade acabe”, como
chegou a dizer na campanha presidencial.
O actual Presidente francês não só não cumpriu o que
prometeu, como se tem mostrado incapaz de reactivar a economia e travar o
desemprego. As sondagens começaram por ser o reflexo do descontentamento dos
franceses. E as eleições municipais mostram claramente um cartão vermelho, com
os socialistas a protagonizar uma derrota expressiva.
Depois de sacrificar o primeiro-ministro, Hollande tirou da
cartola o liberal Valls (que já propôs a mudança do nome do partido para retirar
a palavra socialista) e entregou-lhe a chefia do governo. E foi buscar um
assumido defensor do proteccionismo económico, conhecido pelas posições anti
austeridade, para a pasta da Economia, que, neste governo, foi separada das
Finanças.
Jacques Le Goff, como os seus antecessores, não se ficou
pela rama dos acontecimentos. Foi mais fundo. Analisou o substracto. Estudou o
homem, nas suas várias dimensões (social, cultural, religiosa, económica…),
para chegar aos eventos que marcaram a história. Só assim se consegue explicar e
antecipar a repetição de acontecimentos disruptivos, emendando o curso da
história, quando é necessário.
Mas, como se vê pelas últimas duas décadas, a elite política
francesa, ou nunca leu Le Goff, ou há muito deixou de o ler. Infelizmente.
*Publicada no dia 4 de Março de 2014
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