Júri da versão italiana do The Voice incrédulo ao ver a irmã Cristina Scuccia no palco
Longe dos tempos áureos que prometiam felicidade e sucesso a
todos aqueles que trabalhassem arduamente e que geraram o conceito de «American
Dream», os EUA são cada vez menos um país de oportunidades.
Os americanos trabalham cada vez mais e ganham cada vez
menos; muitos desdobram-se em vários empregos para conseguir levar para casa o
pão de cada dia, mas nem sempre garantem o acesso dos seus aos cuidados básicos
de saúde.
Dir-se-á que é assim em todo o lado!
Pois. Mas o sonho americano criou a ilusão de que toda a
gente nos EUA pode ser bem-sucedida desde que trabalhe. E que todos podem
atingir a felicidade e levar uma vida de sucesso.
Um sonho que se esboroou e que leva os que pretendem
enriquecer a criar atalhos.
Não é de agora. São cada vez mais os processos em tribunal
na mira de indemnizações chorudas que avolumam os bolsos dos queixosos e que
engordam as companhias de advogados que as patrocinam.
Processa-se por tudo e por nada. Atinge-se tudo e todos. Não
interessa qual o motivo, nem a sustentabilidade da queixa. O que interessa é
urdir um processo que crie no corpo de jurados a dúvida razoável para condenar
grandes companhias e obrigá-las a abrir os cordões à bolsa. Mas isso também não
interessa para nada, desde que haja quem ganhe com isso.
Ainda não se sabe o que aconteceu ao avião que saiu de Kuala
Lumpur, capital da Malásia, no dia 8 de Março, com 139 pessoas a bordo; ainda
se desconhecem os motivos por trás do desaparecimento; ainda está tudo envolto
em mistério, mas já surgiu uma firma de advogados a acenar com um processo
contra a Boeing e a Malaysia Airlines, acusando as duas empresas por falhas
técnicas que originaram o acidente.
Parece uma antecipação do 1 de Abril. Mas aquilo que parece
mentira é uma verdade, sem escrúpulos, que amachuca quem sofre com a perda de
um ente querido em circunstâncias trágicas. Sem pudor e respeito no luto.
Incrédulo.
Assim ficou o corpo de jurados da versão italiana do concurso televisivo «The
Voice». Alguns dos membros que integram o júri não evitaram as lágrimas, que
afloraram também aos olhos da concorrente. Uma freira “veríssima”, como
respondeu Cristina Scuccia, quando a cantora Rafaela Carra, um dos jurados, lhe
perguntou se era uma freira verdadeira.
O
vídeo da audição de Cristina já está no youtube. E, em três dias, bateu o
recorde que pertencia ao sul coreano Psy, com o famoso Gangnam Style.
Nos
bastidores do concurso, que na fase inicial submete os concorrentes a uma
audição cega, com o júri de costas voltadas para o cantor (os que virarem a
cadeira disputam o candidato), vêem-se quatro freiras, com os seus hábitos negros,
a pular de satisfação quando o músico J-Ax se volta para a candidata. Algumas
não resistem a um pé de dança, induzidas pela voz soul de Cristina, que canta
«No One», de Alicia Keys. O rapper italiano solta um “oh” de espanto quando dá
de caras com a freira. O público liberta um ensurdecedor aplauso no fim da
actuação. E Cristina dá pulinhos de alegria, correspondendo ao coro que emerge
da plateia.
É
bonito. É emocionante. É bom ver quebrar barreiras.
O
hábito que enverga não tolda Cristina. Não retira o talento, nem inibe esta
siciliana, de 25 anos, que salta do convento para o palco da fama mundial. “O
que é que a traz ao The voice?”, indaga a cantora Rafaela Carra. “Um dom”,
responde a concorrente.
“E o
que lhe diz o Vaticano por se apresentar ao The Voice?”, insiste Rafaela. “Não
sei, espero um telefonema do Papa Francisco, seguramente. Ele convida-nos a
sair, a evangelizar, a dizer que Deus não nos tira nada, pelo contrário, nos dá
ainda mais. Eu estou aqui por isso”, responde a jovem.
Cristina
escolhe o primeiro membro do júri que virou a cadeira. O mesmo que se emocionou,
que ficou com os olhos marejados ao olhar para ela. Juntos formam uma
improvável dupla entre uma religiosa e um rapper.
Parece mentira. Mas, felizmente, é verdade. Uma verdade que
derruba preconceitos e que faz nascer no seio da igreja uma nova estrela.
*Publicada no dia 28 de Março de 2014
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