quinta-feira, 6 de março de 2014

O esplendor (crónica publicada no Novo Jornal*)


O Palácio do Povo que Nicolau Ceausescu mandou erguer, na capital da Roménia, é o símbolo máximo do poder megalómano e sem escrúpulos.
Iniciado em 1984, o edifício de 20 andares dispõe de 1.110 divisões, ricamente adornadas com um milhão de metros cúbicos de mármore, 200 mil metros quadrados de tapetes e 900 mil metros cúbicos de madeiras. A construção implicou a destruição de sete quilómetros quadrados de bairros históricos de Bucareste e o desalojamento de 40 mil pessoas, muitas delas suicidaram-se. Mais de 20 mil operários e 200 arquitectos trabalharam dia e noite para pôr de pé este colosso da arquitectura. É o segundo maior edifício do mundo, a seguir ao Pentágono, nos EUA.
Ceausescu pouco gozou os 350 mil metros quadrados do seu faraónico palácio. Incapaz de suster a insatisfação popular, causada pelo empobrecimento do país, o ditador caiu nas mãos do povo a 22 de Dezembro de 1989, depois de ordenar às forças militares que disparassem sobre manifestantes na cidade de Timisoara, cinco dias antes. A revolta alastrou-se pelo país e chegou a Bucareste.
O Presidente romeno ainda tentou a fuga. Meteu-se num helicóptero com a esposa, Elena, e ordenou ao piloto, sob ameaça de uma pistola, que levantasse voo. O piloto acatou a ordem, mas simulou uma falha mecânica para aterrar. O ditador acabou por ser capturado pelas forças armadas, que entretanto se juntaram ao povo.
No dia de Natal, Nicolae Ceausescu e a mulher são encostados à parede do pátio do antigo quartel militar de Targovishte para serem fuzilados, após terem sido condenados à morte por vários crimes, genocídio incluído.
O Palácio do Povo tornou-se lugar de peregrinação. Em 2013, o paredão de fuzilamento, a 80 quilómetros de Bucareste, torna-se numa nova atracção, depois de ser convertido num museu. O quarto onde o casal passou a última noite também faz parte do roteiro turístico.
Um dia depois de ter sido deposto, na sequência de quatro meses de protestos, a vida faustosa de Viktor Yanukovich foi posta a nu. As inúmeras casas que o Presidente da Ucrânia possuía no país tornaram-se alvo da curiosidade dos ucranianos, a braços com uma forte crise económica, e transformaram-se em lugares de romagem.
Pelos écrans de televisão em todo o mundo vão passando imagens da Casa de Inverno de Yanukovich, onde o Presidente passava poucos dias por ano. O edifício, exuberantemente ornamentado com mármores, tapetes, quadros e esculturas, num valor estimado em 11 milhões de dólares, dispõe de um jardim zoológico privado, um heliporto e um campo de golfe com 18 buracos e equipamento bordado com o nome de Yanukovich.
Mas não era só o Presidente que vivia rodeado de luxo. Outros membros do governo e familiares seus acumularam riqueza incompatível com os seus salários legais. Segundo o jornal espanhol El Pais, o filho do Presidente, um dentista de 41 anos, dispunha de um império empresarial que, no ano passado, abarbatou metade de todos os contratos públicos firmados pelo Estado.
Durante os anos em que o pai foi Presidente, Olexander converteu-se num dos homens mais ricos do país. Um dia depois do Parlamento ucraniano ter deposto Yanukovich, uma televisão local da República ucraniana da Crimeia mostrou imagens de um armazém, a 35 quilómetros de Kiev, com 12 carros topo de gama, pertencentes ao filho do Presidente. A frota automóvel teria chegado ao armazém horas antes da assinatura do acordo com a Rússia que desencadeou os protestos do país.
Também o procurador-geral da República da Ucrânia, Victor Pshonka, vivia no meio de uma riqueza faraónica, numa mansão, conhecida como o Palácio de Pôncio Pilatos. Com os seus faustosos salões em estilo rococó, quartos barrocos, jacuzzi e piscina cobertas, Pshonka vivia como um imperador. Um título que chamava a si, em inúmeras fotografias espalhadas pelo palácio, onde surge vestido de imperador romano.

Quando pressentiu a riqueza a fugir-lhe das mãos, Pshonka pediu ao Presidente para decretar o estado de sítio. Tarde demais. Depois de uma investida contra os manifestantes na praça da independência ordenada pelo Presidente, o poder caiu nas ruas, como aconteceu na Roménia, duas décadas antes. A história a repetir-se, em todo o seu esplendor.

*Publicada no dia 28 de Fevereiro de 2014

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