terça-feira, 20 de maio de 2014

Quer queiram, quer não (crónica publicada no Novo Jornal*)

Uma pesquisa feita nos EUA, que incidiu sobre as 2.500 maiores empresas de capital aberto, constatou que os presidentes executivos mulheres enfrentam probabilidade de demissão mais alta do que os homens.
O estudo, realizado pela empresa de consultadoria Strategy&, olhou para a última década e concluiu que menos de 30% dos homens que ocupavam o cargo de presidente executivo foram demitidos, enquanto nas mulheres a proporção de demissões ficava próxima dos 40%.
Dois casos são apontados. O de Carol Bartz, demitida em 2011 da presidência executiva do motor de busca Yahoo, na sequência da insatisfação dos investidores em relação ao desempenho do grupo. O outro exemplo, com grande repercussão mediática, é o de Anne Lauvergeon que foi substituída aos comandos da Areva, quando o governo francês decidiu apertar o seu controlo sobre a gestão da companhia nuclear francesa.
Nem de propósito. Na semana em que este estudo é conhecido duas demissões de topo envolvendo mulheres são noticiadas, nos EUA e em França. O The New York Times dispensou a sua primeira directora, Jill Abramson, menos de três anos depois da nomeação. E, no Le Monde, Natalie Nougayrède, também a primeira mulher a ascender ao cargo, anunciou a sua demissão, pouco mais de um ano após ter assumido a direcção. Nenhuma delas foi substituída por outra mulher.
O caso do Le Monde terá sido o desfecho de uma guerra interna provocada pelo projecto de reforço da versão digital, apresentado em Fevereiro, que pressupunha a passagem de 57 jornalistas da versão em papel para a edição online, numa manobra interpretada pela redacção como prelúdio de despedimento colectivo.
A demissão de Jill Abramson, que vai ser substituída no cargo pelo primeiro afroamericano a assumir a direcção do The New York Times, o editor e vencedor de um prémio Pulitzer (os óscares do jornalismo) Dean Baquet, foi apresentada pelo presidente do diário, Arthur Sulzberger, como objectivo para a melhoria da gestão na redacção.
Mas a versão verdadeira, segundo a revista The New Yorker, que se baseia em desabafos da ex-directora, tem por base o facto de Jill Abramson descobrir, pouco antes de ser demitida, que a sua remuneração era inferior à de Bill Keller, o seu antecessor.
Depois de o assunto ser dissecado pela The New Yorker, o Times emitiu um comunicado a explicar que os salários e benefícios pagos a Abramson não eram “consideravelmente menores que os de Keller”, mas “eram directamente comparáveis”, porque tinham em conta os anos de casa de cada um deles.
As demissões de mulheres em lugares-chave no The New York Times não se ficam por aqui e revelam as fragilidades no diário controlado pela família Ochs-Sulzberger, que, nos últimos anos, se desfaz de activos e procede a cortes na equipa, como forma de reagir à queda de publicidade.
Em 2011, Arthur Sulzberger demitiu inesperadamente a directora-executiva da empresa, Janet Robinson, assumindo o cargo em acumulação até que foi recrutar um quadro em Londres para a substituir. A escolha recaiu no ex-director-geral da BBC, Mark Thompson.
Per-Ola Karlsson, um dos autores do estudo da Strategy&, atribui a maior percentagem de demissões entre as mulheres em lugares de topo a dois factores: a cultura dos conselhos de administração, que continua a ser esmagadoramente masculina, e o benefício da dúvida.
No primeiro caso, o consultor refere, com base em conversas com muitas mulheres que detêm postos importantes em empresas, que é um ambiente difícil para trabalhar e que nem toda a gente oferece o apoio esperado quando se trata de uma mulher ao leme.
Isto é tanto assim que apenas 3% dos presidentes-executivos nas companhias estudadas eram mulheres, menos do que as 4,2% no ano anterior, 2013.
No factor benefício da dúvida, a Strategy& refere que, devido a pressões culturais e políticas em alguns países, as companhias mostram-se dispostas a apontar uma mulher para um posto de comando, a ponto de fazerem escolhas ousadas, com maior probabilidade de não funcionarem, muitas vezes, sem terem em devida conta critérios de competência.
Apesar deste cenário, a Strategy& estima que a mudança nas pressões sociais e a presença de cada vez mais mulheres em funções educacionais e de negócios de primeiro escalão tem como resultado a presença de um terço de mulheres nas novas indicações para a presidência-executiva em 2040. Quer eles queiram, quer não queiram.

*Publicada no dia 16 de Maio de 2014

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