Uma sessão fotográfica da autoria de um fotógrafo indiano,
que mostra vários homens a agarrar uma mulher num autocarro, provocou uma torrente de indignação na internet que obrigou o autor a retirar as fotografias um dia
depois de as publicar.
Só que a colagem entre as fotografias e a violação colectiva
que, em Dezembro de 2012, vitimou uma estudante universitária, quando
regressava a casa, foi imediata. E a indignação alastrou com a rapidez de um
fósforo, ateando um fogo na internet que consumiu qualquer boa vontade
enunciada pelo fotógrafo.
“Sendo uma parte da sociedade e sendo eu fotógrafo, o
assunto desperta-me atenção… a minha mãe, a minha namorada, a minha irmã andam
por aí e algo parecido pode acontecer-lhes”, defendeu-se Raj Shetye, em
declarações ao site BuzzFeed, depois de ver o seu trabalho qualificado de
“nojento” e “horrível”.
À parte as boas intenções proclamadas pelo fotógrafo, natural
de Bombaim, este trabalho revela, à partida, vários problemas. E toda a
concepção é errada.
Tratando-se de uma representação da violação colectiva, com
o objectivo de sensibilizar a sociedade para um problema que vitima muitas
mulheres, as imagens produzidas não deviam ter margem para leituras enviesadas
que legitimem ou justifiquem, de alguma forma, os crimes de violação.
Não é isso que acontece. A jovem surge provocantemente
vestida nas fotografias. Com um vestido preto, justo e curto, e sapatos de
agulha, a modelo recria poses eróticas, enquanto os homens a agarram. Um
ambiente muito distante daquele que vitimou a estudante indiana, de 23 anos,
violada por seis homens – um deles era o motorista do autocarro –, espancada e
atirada para fora da viatura.
Com problemas intestinais graves, uma infecção pulmonar e
uma lesão cerebral, a jovem acabou por morreu num hospital de Singapura, após dias com a vida suspensa por um fio. O caso desencadeou uma onda de protestos e
indignação na Índia, que obrigou o governo e os tribunais a responsabilizarem
criminalmente os autores do crime. Foram todos acusados de homicídio e quatro foram
condenados à morte.
Apesar da extrema dureza, as penas não puseram termo às
violações na Índia, uma espécie de desporto nacional associado à virilidade.
Uma mulher a cada 20 minutos continua a ser violada no país. O número de
violações denunciadas não pára de aumentar desde então. E, em Junho, no estado
de Uttar Pradesh, o mais populoso, várias mulheres de castas
consideradas inferiores foram encontradas enforcadas em árvores depois de serem
violadas.
Por tudo isto, Raj Shetye devia ter enveredado por outro
tipo de representação e evitava, assim, a humilhação pública de ter de retirar
o seu trabalho do site Behance, sem qualquer glória, nem resultados.
Na Austrália, os transportes públicos foram esta semana
motivo de orgulho nacional.
Dezenas de passageiros uniram esforços para inclinar uma
carruagem de comboio e libertar um homem, cuja perna tinha ficado presa entre a
composição e a plataforma. As imagens captadas pelas câmaras de segurança da
estação, em Perth, são ilustrativas e ajudam a perceber a amplitude do gesto,
que deixou sensibilizados muitos australianos.
“Ouvimos falar muito de mau comportamento nos transportes
públicos. É realmente muito bom quando algo assim acontece e as pessoas
trabalham em conjunto para ajudar um companheiro”, afirmou o porta-voz da
empresa Transpert, David Hynes, ao jornal «The West Australian».
Os 10 minutos da gravação de 17 minutos, que mostram a
progressão dos acontecimentos entre a altura em que o pé do homem desliza,
quando os passageiros entram no comboio, e o momento em que uma multidão
inclina a carruagem, demonstram a forma humana e solidária como a vítima é
tratada, quer pelo pessoal da transportadora ferroviária, quer pelos
passageiros.
Particularmente especial é uma das fotografias do momento em que a
carruagem é inclinada. À primeira vista parece uma representação; um quadro que
assume uma rara beleza estética, particularmente, depois de se conhecer o seu
significado.
Num instante, a vida retoma a normalidade. Passageiros e
vítima seguem viagem, com sentimento de pertença a uma comunidade solidária.
Como todas deviam ser.
Publicada dia 8 de Agosto de 2014
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