Milhares de pessoas são vigiadas sem o seu conhecimento
Primeiro foi o vice-primeiro-ministro turco. Bulent Arinc aconselhou
as mulheres do seu país a “conservarem a rectidão moral” e a não “rirem alto em
público”. A declaração causou polémica e desencadeou uma reacção espontânea.
Uma chuva de vídeos e fotos de mulheres a darem sonoras gargalhadas inundou as
redes sociais. Três meses depois, no país de Recep Erdogan, que entretanto
passou de primeiro-ministro a Presidente, os manuais escolares de Biologia do
sexto ano deixaram de ter pénis e vaginas. As imagens do anterior manual, no
capítulo dedicado ao aparelho reprodutor, foram substituídas por patinhos e
ursos polares. As palavras “mama” ou “virgindade” também foram suprimidas, sum
sinal claro da recente islamização do país. Numa altura de crescente
preocupação pelo fundamentalismo religioso, a Turquia vai na direcção certa do
regresso ao obscurantismo, a caminho das trevas.
Na era da globalização e da informação digital não há
segredos, nem cofre suficientemente seguro para os guardar. A cadeia americana
Fox News precipitou-se a anunciar a revelação do nome do homem que matou Osama
Bin Laden, antes de exibir o documentário, mas acabou por ser ultrapassada. Um
jornal britânico antecipou-se na divulgação da identidade do soldado das tropas
especiais da Marinha americana que disparou contra o líder da Al Qaeda e, antes
deste, já um blogue tinha divulgado o nome de Rob O’Neil. Ainda assim, a Fox mantinha
uma carta na manga. No documentário, transmitido esta segunda-feira, o
ex-militar dos Navy Seals revelou que Bin Laden “morreu como um cobarde” e que
usou a sua mulher mais nova como escudo humano, antes de ser atingido. Nada de
novo, afinal. A coragem dos que se escondem atrás das armas cai no preciso
momento em que passam a ser o alvo.
Uma jovem professora viu a sua candidatura a um trabalho na
Coreia do Sul ser rejeitada por ser irlandesa. A empresa de recursos humanos
que mediou o processo de contratação teve a “gentileza” de justificar a recusa,
num e-mail onde deseja à candidata “a melhor sorte” para o futuro. “Lamento
informá-la que o meu cliente não contrata pessoas irlandesas devido à natureza
alcoólica do seu povo”. Katie Mulrennan nem queria acreditar. Refeita do
choque, a jovem ainda respondeu, num tom sarcástico, mas não recebeu qualquer resposta
de volta. A professora seguiu em frente e já encontrou outro emprego em Seul.
Felizmente, nisto de povos, nem todos somos bestas, nem bestiais.
Glória Alves é um dos oito magistrados – sete portugueses e
um cabo-verdiano - expulsos há duas semanas de Timor, segundo o governo de
Xanana Gusmão por terem sido “incompetentes” na instrução de processos contra
petrolíferas. A procuradora esteve dois anos em Timor, ao abrigo do Programa
das Nações Unidas para o Desenvolvimento (PNUD). Tal como os colegas quis, num
país “em reconstrução”, ajudar a erguer as instituições essenciais a um Estado
de direito. Os oito magistrados foram contratados por concurso internacional,
organizado pela ONU. E tinham a “responsabilidade de ajudar em duas áreas: na
formação e na titularidade dos processos”, porque o sistema de Timor “não tinha
quadros suficientes para a totalidade dos inquéritos” e também porque alguns
processos, como os relativos aos crimes das milícias de 2006, só podem ser
julgados por um colectivo de dois juízes internacionais e um timorense. Com a
expulsão dos magistrados, todo o edifício da justiça timorense desmorona. E os
processos contra governantes suspeitos de corrupção ficam reduzidos a pó.
Xanana Gusmão era um dos suspeitos. Tal como a ministra das Finanças. Isto
prova que poucos heróis resistem ao tempo e, sobretudo, à erosão do poder.
*Publicada no dia 14 de Novembro de 2014
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