A lista de crimes cometidos na Coreia do Norte é longa e
impressiona. O desfile de atrocidades há muito que se projecta para além da
cortina cinzenta erguida pelo regime. Mas avança impunemente. Até agora. As
Nações Unidas aprovaram finalmente uma resolução que condena o país por crimes
contra a Humanidade. E que visa levar o regime de Kim Jong-un a sentar-se no
Tribunal Penal Internacional.
A morte de Kim Jong-il e a ascensão do seu filho mais novo
ao poder não mudou a face do regime. Nem arrefeceu o seu ímpeto de morte. O
jovem Kim Jong-un ultrapassou o pai e, no espaço de três anos, coleccionou
crimes de sangue e apurou a frieza e crueldade do regime norte-coreano.
O relatório da ONU detalha que uma mulher foi obrigada a
afogar o próprio filho, alguns prisioneiros foram forçados a cavar as suas
próprias sepulturas antes de serem mortos à martelada no pescoço e uma família
foi torturada por ter assistido a uma telenovela estrangeira na televisão.
Crimes desta natureza - que levaram o juiz que presidiu ao
grupo de avaliação da ONU a comparar as atrocidades do regime norte-coreano às que
foram cometidas pelos nazis, na Alemanha, ou por Pol Pot, no Camboja – não são
novidade.
Em Novembro de 2013, os órgãos de informação noticiaram a execução
pública de 80 pessoas. Num mesmo dia, milhares de pessoas foram obrigadas a
assistir a execuções em sete cidades. Entre a assistência contavam-se inúmeras
crianças. Os crimes cometidos incluíam o visionamento de vídeos de
entretenimento sul-coreanos e a posse de Bíblias. Alguns dos executados foram
acusados de disseminar pornografia.
Uma das execuções terá ocorrido no Estádio de Shinpoong, na
província de Kanwon. Oito pessoas foram alinhadas com fardos colocados por cima
da cabeça enquanto soldados disparavam de forma ininterrupta. Uma fonte, citada
pelo Los Angeles Times e pelo Daily Telegraph, descreve o horror: “Ouvi relatos
de residentes que dizem ter visto os cadáveres de tal maneira perfurados pelas
balas que depois foi impossível identificá-los”.
Estas execuções, segundo o Daily Telegraph, ocorreram em
cidades onde os trabalhadores estariam a desafiar as regras do regime. Terão
sido, portanto, uma manobra de intimidação e uma lição para os que se atrevam a
desafiar o regime de Kim Jong-un, que controla tudo, desde o lugar onde as
pessoas vivem até quem pode trabalhar, onde e no quê.
A má gestão dos recursos e as más políticas públicas condenam
a população a uma fome crónica e que é visível nas poucas imagens que chegam ao
exterior.
A comissão de inquérito da ONU não tem dúvidas que as
violações dos direitos humanos na Coreia do Norte atingem uma “escala sem igual
no mundo contemporâneo”, excedendo “em duração, intensidade e horror” todas as
outras de que há notícia.
A ONU, após ouvir dezenas de dissidentes, revela a
existência de campos de concentração, onde vivem entre 120 a 200 mil
prisioneiros, alguns já nascidos em cativeiro, e que são sujeitos “à fome,
trabalhos forçados, execuções, tortura, violação, negação dos direitos
reprodutivos através de castigos, abortos forçados e infanticídios”.
“No fim da II Guerra Mundial, muita gente disse ‘se nós
tivéssemos sabido’. Bem, agora a comunidade internacional sabe… a inacção já
não se justifica com um ‘nós não sabíamos”, declarou, em Fevereiro, Michael
Kirby, o presidente da comissão independente que conduziu o Inquérito do
Conselho de Direitos Humanos da ONU sobre a Coreia do Norte.
Kirby advertiu que “estes não são meros crimes de Estado”.
São uma “componente essencial de um sistema político que se afastou dos ideais
sobre os quais diz ter sido fundado”.
Nove meses depois, uma resolução dá seguimento ao relatório,
e envia uma acusação formal para o Conselho de Segurança. Mas o poder de veto
que a China e a Rússia, dois tradicionais aliados da Coreia do Norte, têm no
Conselho de Segurança pode inviabilizar a pretensão de justiça da esmagadora
maioria dos Estados representados na ONU. A acontecer, exporá a conivência
destes dois países e servirá para traçar uma linha e a posição em que os dois
se colocam face à barbárie.
* Publicada no dia 21 de Novembro de 2014
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