Tamis Rice com uma pistola de brincar, pouco antes de ser morto
Tamis Rice tinha 12 anos. No sábado, foi ao parque como
tantas vezes fizera. Oito minutos depois tombou, atingido por dois tiros
disparados por um polícia.
As imagens de uma câmara de videovigilância mostram a forma
precipitada como a polícia reagiu, depois de ser chamada. Soube-se mais tarde,
pela gravação divulgada pela polícia de Cleveland, que a pessoa que telefonou advertiu
que a arma provavelmente era de brincar. Mas a actuação policial ignorou
completamente a advertência, porque a central não informou os dois agentes
desse pormenor. Tão pouco alertou que se tratava de um menor.
Num momento em que a sociedade americana questiona o uso da
violência policial e que o rastilho se acendeu, depois da libertação do agente
que matou Michael Brown, em Ferguson, no estado do Missouri, no dia 9 de
Agosto, a morte do pequeno Tamis deita mais combustível para a fogueira.
Manifestações eclodiram em 170 cidades contra a decisão do
grande júri de não avançar com as acusações contra o polícia que matou o jovem.
Mais de 400 pessoas foram detidas e nem os apelos do Presidente Obama à ordem fizeram
serenar os protestos, que atravessaram o Atlântico e chegaram a Londres, onde
milhares de pessoas se manifestaram, esta quarta-feira, em frente à embaixada
dos EUA.
O protesto londrino foi organizado por familiares de homens
de raça negra que morreram nas mãos da polícia. Foi um gesto de solidariedade
para com a família de Brown, mas também um alerta contra a actuação da polícia
britânica que, em Agosto de 2011, matou Mark Duggan, de 29 anos, quando tentava
detê-lo, provocando um dos maiores tumultos na história moderna do Reino Unido.
As manifestações e motins que, desde terça-feira, incendeiam
cidades americanas em 37 estados são a expressão pública da revolta de uma
população que se sente particularmente atingida e que não encontra justificação
para os actos da polícia. Tão pouco justiça.
Numa tentativa de explicar os factos, o agente que matou
Michael deu uma entrevista à ABC. Mas as explicações de Darren Wilson só aumentaram
mais a tensão racial. Para além dos acontecimentos descritos não encaixarem na
descrição feita por algumas testemunhas, Darren, nas declarações ao grande júri,
disse que Michael “parecia um demónio” quando o mandou parar. Expressão que
para os familiares do jovem morto revela uma falta de respeito pela sua memória.
E que, ao mesmo tempo, reflecte os estereótipos que estão por trás da violência
policial exercida sobre suspeitos de raça negra.
No meio artístico são várias as personalidades que fazem eco
da sua revolta. À voz de Rihanna, John Legend, Pharrell e Stevie Wonder,
juntou-se a da cantora Beyoncé, que partilhou, nas redes sociais, o comunicado
dos pais de Michael, onde se manifestam “profundamente desapontados” por o
assassino do filho “não enfrentar as consequências das suas acções”. Mas, mais
importante, pedem aos que se revoltam para reencaminharem a sua frustração para
“formas que possam trazer uma mudança positiva” para que, juntos, possam
trabalhar para “corrigir o sistema que permitiu que isto acontecesse”.
No meio do sofrimento pela perda do filho, o apelo de Leslie
McSpadden e Michael Brown revela enorme sabedoria: “Responder com violência não
é solução. Vamos fazer mais do que barulho, façamos a diferença”.
Um apelo que deve ter ressonância, não só nos que se
revoltam, mas nos que têm o poder de julgar este tipo de casos para que
percebam, de uma vez por todas, que, com a absolvição, estão a legitimar a
execução pública de pessoas. E a perpetuar a actuação de uma corporação que
recorre à força, sem dar oportunidade de defesa.
Foi isso que aconteceu com Michael. É isso que se constata uma
vez mais com a morte de Tamis. Não há outra razão. Um menino de 12 anos que sai
para a rua com uma pistola de brincar não pode representar uma ameaça assim tão
grande. Muito menos no país que autoriza armas a sério a partir dos oito anos
de idade.
*Publicada no dia 28 de Novembro de 2014
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