A Alemanha homenageou quarta-feira a jovem turca que morreu,
depois de defender duas adolescentes que estavam a ser assediadas por um grupo
de três homens na casa de banho de um restaurante em Offenbach, a poucos
quilómetros de Frankfurt.
O funeral de Tugce Albayrak, que esteve duas semanas em coma,
emocionou a Alemanha e desencadeou uma onda de comoção. A sua morte tornou-se
um símbolo contra a indiferença. Ao contrário de outras pessoas que se
encontravam no restaurante e que ignoraram os gritos, a jovem universitária foi
em socorro das adolescentes e impediu que o assédio se transformasse em
agressão.
As imagens de Tugce a ser agredida passaram vezes sem conta
nas televisões. Criaram uma revolta surda na comunidade turca, que depressa
saltou para a rua. Milhares de alemães e cidadãos de outras nacionalidades
organizaram-se em vigílias de homenagem à jovem que será recordada como “um
exemplo a seguir”, como afirmou o Presidente alemão, Joachim Gauck, depois de
ter mostrado “uma coragem exemplar e fortaleza moral” quando outras pessoas
“olharam para o lado”.
A coragem de Tugce permitiu também à Alemanha olhar para si
mesma e desencadeou uma nova reflexão sobre a imigração e os imigrantes,
frequentemente olhados com desconfiança. No momento em que a crise na Europa
fez crescer a hostilidade contra os imigrantes, a nova heroína alemã tem sangue
turco.
Antes do funeral da jovem, que queria ser professora de
alemão, uma petição para que receba a título póstumo a medalha de honra
nacional já contava com milhares de assinaturas. É fácil perceber que o
objectivo será atingido e que Tugce terá oficialmente o estatuto de heroína.
Mas é triste se o gesto pelo qual sacrificou a vida morre com ela. É preciso
que a sociedade recuse, de uma vez por todas, a indiferença contra a violência
gratuita e desproporcionada e contra o desrespeito pela condição humana. Senão,
muitas mais vidas continuarão a perder-se. Por nada.
No inferno desencadeado pela morte de um jovem negro em
Ferguson, no meio de carros a arder, barricadas e protestos, a imagem de um
polícia branco a abraçar um rapaz negro a chorar tornou-se icónica. E depressa
ultrapassou fronteiras, apaziguando por momentos a tensão racial desencadeada há
uma semana pela decisão da justiça norte-americana de não indiciar o polícia
branco que matou Michael Brown, de 18 anos.
As televisões e jornais em todo o mundo seguiram o trajecto
que levou o sargento Bret Barnum a Devonte Hart, de 12 anos. O polícia estava a
olhar para os manifestantes à sua frente quando deparou com um menino a soluçar
e a limpar as lágrimas à camisola.
A cena passou-se em Portland, a três mil quilómetros de
Ferguson. Devonte foi com a família para a rua juntar-se aos protestos que
tiveram lugar em várias cidades do país. Ao ver a criança a chorar, o sargento
Barnum, com mais de 21 anos de serviço, aproximou-se. O primeiro contacto foi
frio, como descreveu a mãe do rapaz. Mas o polícia não se intimidou. Apertou a
mão ao garoto e fez-lhe perguntas sobre a escola. Durante uns momentos trocaram
conversa e, antes de se ir embora, Barnum apontou para o cartaz e perguntou ao
menino: “Não tenho direito a um?” Devonte disse que sim e o polícia abraçou o
menino, ainda em lágrimas. O fotógrafo freelancer Johnny Nguyen não deixou
escapar o momento e disparou. A fotografia tornou-se viral e foi comentada em
todo o mundo.
A fotografia de Johnny dá o outro da história que
desencadeou os protestos. “É a luz no meio da escuridão”, disse o repórter
durante uma entrevista à revista portuguesa Sábado. Mas ela representa mais. É
o triunfo da esperança e tem um significativo político forte. Devonte não é uma
criança com uma história normal. Foi adoptado pela família Hart depois de anos
de episódios ligados à droga e à extrema pobreza, onde se habituou a desconfiar
da polícia.
Se uma criança conseguiu ultrapassar a desconfiança, porque
não hão-de os adultos conseguir?
*Publicada no dia 5 de Dezembro de 2014
Sem comentários:
Enviar um comentário