Jabbari numa das secções do seu julgamento
Rayhaneh Jabbari foi executada no sábado, sete anos depois
de ter sido presa por matar um homem que a tentara violar. De nada valeram as
campanhas internacionais pela sua libertação. Nem a alegação de que agira em
legítima defesa.
Na última semana antes de ser executada, a mãe de Rayhaneh
só teve direito a estar com a filha durante uma hora. Sholeh Pakravan, que pediu
aos juízes para ser enforcada no seu lugar, não soube que aquele era o
derradeiro adeus. Só soube horas antes da execução, através de uma carta que a
filha escreveu, em Abril, e que entregou a militantes pacifistas para que a
fizessem chegar às suas mãos, no momento certo.
A carta escrita na altura em que soube que tinha chegado “à
última página do livro” da sua vida não mostra arrependimentos, antes
incompreensão e um desconcertante conformismo.
“O mundo permitiu-me viver durante 19 anos. Aquela noite
assustadora foi a noite em que eu deveria ter sido morta. O meu corpo seria
atirado para um qualquer canto da cidade, e dias depois, a polícia chamar-te-ia
ao departamento de medicina legal para me identificar e também saberias que fui
violada. O assassino nunca seria encontrado pois nós não temos riqueza e o
poder deles. Tu irias continuar a tua vida em sofrimento e envergonhada, e
poucos anos depois morrerias desse sofrimento e nada mais haveria a dizer”,
escreveu Reyhaneh, segundo a carta publicada pelo jornal electrónico português
Observador.
Reyhaneh não se resignou ao papel de caça. Desferiu um golpe
mortal no caçador, que “alterou o rumo da história”. O seu corpo “não foi
atirado para um lado qualquer, mas sim para a sepultura que é a Evin Prison”.
Apesar disso, aceitou o desígnio e, na hora do adeus, pediu
à mãe que faça o mesmo. “Entrega-te ao destino e não te queixes. Sabes melhor
do que ninguém que a morte não é o fim da vida. Ensinaste-me que cada um de nós
vem a este mundo para ganhar experiência e aprender uma lição e que cada pessoa
que nasce tem uma responsabilidade depositada nos seus ombros”.
A jovem iraniana, executada aos 26 anos, aprendeu “que, por
vezes, temos de lutar”. Foi a própria mãe que lhe ensinou que, na escola, devia
“enfrentar as quezílias e os confrontos como uma senhora”, e que insistia nos
reparos sobre o seu comportamento. Mas os ensinamentos não a ajudaram na hora
da verdade. “Quando me apresentei em tribunal aparentei ser uma assassina a
sangue-frio e uma criminosa implacável. Não verti lágrimas. Não implorei. Não
me desmanchei a chorar pois confiava na lei”.
Reyhaneh assimilou, dos ensinamentos que a mãe lhe
transmitiu de “modo a criar valores”, que é preciso “perseverar, mesmo que isso
signifique morrer”. Foi isso que fez. Perseverou. Enfrentou o agressor. E
depois um juiz que a condenou com base no preconceito, ignorando os indícios de
que se tratava de alguém que apenas se quis defender.
“E este país, pelo qual cultivaste um amor em mim, nunca me
quis e ninguém me apoiou quando, perante as investidas do interrogador, eu
gritava e ouvia as palavras mais obscenas”, escreve à mãe, pedindo-lhe que não
chore e que lhe satisfaça um último pedido. “É a única coisa que, se chegares a
implorar por ela, eu não ficarei chateada, embora te tenha dito várias vezes
para não implorares por nada, excepto para me salvares de ser executada”.
“Minha mãe bondosa, querida Sholeh, eu não quero apodrecer
debaixo do solo. Não quero que os meus olhos e o meu jovem coração se
transformem em pó. Implora para que, assim que eu seja enforcada, o meu
coração, rins, olhos, ossos e tudo o que possa ser transplantado, possa ser
retirado do meu corpo e dado a alguém em necessidades”.
O testamento de Reyhanet é um grito pela vida. Para que a
sua vida física continue a dar vida.
“No tribunal do Criador, vai “acusar o Dr. Favandi”, “Qassem
Sabani e todos aqueles que, por ignorância ou pelas suas mentiras”, lhe fizeram
mal e “passaram por cima” dos seus direitos. Já que no tribunal dos homens só
encontrou incompreensão. E um sistema injusto que não teve em conta que, por
vezes, o que “aparenta ser realidade não é”.
*Publicada no dia 31 de Outubro de 2014
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