David Freud é um ex-jornalista, que começou a sua carreira
no Financial Times e galgou a escadaria do poder à custa de um apelido famoso -
é bisneto de Sigmund Freud, considerado o pai da psicanálise – e de uma total
falta de escrúpulos.
Durante anos viveu da especulação no coração financeiro de
Londres. Promoveu empresas e negócios ruinosos, que aniquilaram muitas poupanças
e que quase destruíram a sua carreira. Mas manteve-se sempre à tona de água.
Em 2006, e sem qualquer experiência na área, foi convidado
pelo primeiro-ministro Tony Blair para fazer uma proposta de reforma ao sistema
de segurança social e do trabalho britânico. Freud reconheceu que não sabia
nada sobre o assunto, aceitou o cargo e, apesar da complexidade do tema, em
três semanas, apresentou um projecto de reforma que destruía muitos dos
fundamentos da assistência social britânica.
Em 2009, juntou-se ao partido conservador. Recebeu o título
de barão no Condado de Kent e tornou-se ministro-sombra na Câmara dos Lordes, a
Câmara Alta do Parlamento do Reino Unido.
Em 2010, vários grupos ligados à igreja e organizações de
defesa dos direitos humanos queixaram-se ao primeiro-ministro por empolamento
nos números de fraude apontados por Freud, que levaram a cortes e ao aumento do
estigma sobre os mais pobres e os mais vulneráveis.
Em 2012, David passa a ser responsável pela reforma do
sistema de benefícios e, em Julho de 2013, o jornal «The Guardian» acusa-o de
“maldade” pela forma como explicou o aumento dramático do número de pessoas que
passou a recorrer aos bancos alimentares no Reino Unido. Freud disse que o fenómeno
não tinha nada a ver com as reformas em curso, mas com o facto de as pessoas se
quererem apossar de bens que estavam disponíveis gratuitamente.
O actual secretário de Estado responsável pela reforma do
sistema de políticas sociais tem passado incólume a tudo. Até há uma semana,
altura em que o líder dos trabalhistas, Ed Miliband, levou ao Parlamento
declarações que o barão fez durante um evento do Partido Conservador.
Freud criticou, quando questionado sobre o mercado de
trabalho para deficientes, que estes ganhassem o salário mínimo, que no Reino
Unido é de 6,50 libras por hora (pouco mais de 10 dólares).
“Realmente eles não valem o salário que recebem e vou pensar
sobre esse tema. Se há alguma coisa que podemos fazer nacionalmente, pode ser
permitir que se trabalhe por duas libras por hora”, afirmou ele do alto da sua
cátedra.
Se a declaração não provocou embaraço na reunião do partido,
o mesmo efeito não teve no Parlamento. A indignação não se confinou aos
trabalhistas. Atingiu o coração do próprio primeiro-ministro. David Cameron
distanciou-se do seu ministro, deixando claro que o governo não discriminava o
trabalho dos deficientes.
“Essa não é a visão de ninguém do governo. O salário-mínimo
é pago a todos, inclusive os deficientes”, declarou Cameron, que é filho de um
homem com deformação nas pernas e pai de uma criança com paralisia cerebral.
Horas depois da discussão no Parlamento, David Freud veio a
público pedir desculpas, segundo o «The Guardian», por ordem do chefe do
governo, que ordenou que o secretário de Estado se desculpasse publicamente. Caso
contrário, demitia-o.
Freud lá veio dizer que foi “insensato” e manifestou-se
“profundamente arrependido”. Mas o seu arrependimento é pura vacuidade. O homem
revela total insensibilidade para com o ser humano e ignora que não é a posição
social, nem as limitações físicas que determinam o seu valor.
O físico e cosmólogo britânico Stephen Hawkings é disso
exemplo claro. A esclerose lateral amiotrófica, que lhe foi diagnosticada em
1966, com apenas 21 anos, não o impediu de ter um percurso académico notável e
de contribuir para avanços significativos na área da física, do cosmos e da
termodinâmica.
Para além de ter dado nome a um asteroide, Hawkings fica na
história da ciência mundial e na do Reino Unido. David Freud dificilmente será
lembrado. O seu nome já começou a ser sugado por um enorme buraco negro no meio
de muito detrito.
*Publicada no dia 24 de Outubro de 2014
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