quarta-feira, 8 de outubro de 2014

Queres um abraço? (crónica publicada no Novo Jornal*)


No Japão o celibato é um caso sério. E está a pôr em causa a própria existência do país.
No espaço de 40 anos, o país passará de 126 milhões de habitantes para 86 milhões. E poderá juntar-se à vizinha Coreia do Sul. Projecções da Assembleia Nacional de Seul alertam que a Coreia do Sul poderá ficar sem habitantes até 2750, a manterem-se os actuais índices populacionais, que revelam uma quebra demográfica severa.
Os problemas criados pelo celibato no Japão são visíveis um pouco por todo o lado. Tirando as áreas metropolitanas de Tóquio e Osaka – onde vivem mais de 30 milhões de pessoas – não há sangue novo. Em Nanmoku, a aldeia mais envelhecida do país, 57% dos habitantes têm mais de 65 anos. As autoridades locais oferecem refeições escolares e serviços médicos gratuitos a quem queira mudar-se para lá com crianças. No centro do país, Hida oferece 60 quilos de arroz por ano a cada família durante uma década. Na ilha de Mishima, os dirigentes oferecem um vitelo de uma espécie que faz parte da elite do gado bovino e ainda pagam perto de 4.800 dólares a quem queira mudar-se.
Qualquer das ofertas poucos efeitos tem produzido. Nos últimos 20 anos, só um habitante desembarcou em MIshima; nas outras povoações, a curva da natalidade continua em baixa acentuada.
Em muitos pontos do globo, os países confrontam-se com a concentração de pessoas nos grandes centros e o despovoamento do interior. Mas o problema no Japão é pior. A nova geração tem horror aos relacionamentos. Coloca os estudos e as carreiras profissionais em primeiro plano. Muitos ficam-se por aí e optam pelo celibato. Um fenómeno que atinge homens e mulheres.
Consciente de que o “síndrome do celibato” pode transformar-se numa catástrofe, o governo nipónico resolveu meter mãos à obra e dar números ao fenómeno. Um estudo realizado em 2012 revelou que um terço das pessoas com menos de 30 anos nunca teve qualquer tipo de experiência amorosa. E os japoneses com menos de 40 anos perdem o interesse pelos relacionamentos convencionais.
Uma pesquisa realizada um ano antes revelou que 61% dos homens e 49% das mulheres, entre os 18 e os 34 anos, não mantinham qualquer relação amorosa. Em 2012, o número de bebés nascidos no país foi o menor desde que há registos. As vendas de fraldas geriátricas ultrapassaram as de fraldas para bebés, pela primeira vez. Já nesse ano, soou o alarme. A crise demográfica é tão grave que o Japão “pode eventualmente acabar em extinção”, afirmou Kunio Kitamura, da Associação de Planeamento Familiar.
O problema acabou por abrir nichos de negócio. Surgiram os conselheiros de sexo e relacionamento, maioritariamente femininos, com a missão de ajudar os japoneses a “entender o modo como o corpo do ser humano real funciona”. Ai Aoyama, de 52 anos, é uma dessas conselheiras. Esta ex-dominadora, de aparência jovem e sedutora, recebe homens, em maior número, mas também mulheres. Não há qualquer tipo de relação sexual durante o seu trabalho. Por vezes, pode despir-se para os homens, mas só para guiá-los fisicamente. Mesmo assim, Ai não tem tido a vida facilitada. Ela cita um cliente, de 30 anos, ainda virgem, que só fica excitado quando vê robôs femininos em jogos.
Os homens com este tipo de preferência até já têm nome no Japão. São os Otakus. Gostam mais de literatura manga (banda desenhada japonesa) e de jogos nos computadores. Preferem namoradas virtuais às reais. Kunio Kitamara descreve estes japoneses como “herbívoros passivos e sem desejo carnal”.
Os Otaku vivem uma vida sedentária e com pouca interação com o sexo oposto. Muitos destes jovens são tão tímidos e têm tantas carências afectivas que levaram à criação de um novo serviço. Por 32 dólares podem deitar-se ao lado de uma rapariga, durante 20 minutos. Uma noite pode chegar aos 400 dólares. Quer num, quer noutro caso não há qualquer contacto físico.
Em 2008, o Japão lançou um pequeno robô, com traços femininos, que beija quando recebe uma ordem. Esta semana, os japoneses lançaram uma cadeira, em forma de boneca, que dá abraços, lembra as horas dos medicamentos e das idas à casa de banho.
A «cadeira da tranquilidade» ainda não está a venda, mas revela a preocupação dos japoneses em lutar contra a solidão. Uma luta que está a ser mal dirigida. Em vez de aparelhos, as autoridades nipónicas deviam preocupar-se em ensinar os japoneses a pedir, ou a oferecer, um abraço.

*Publicada no dia 3 de Outubro de 2014

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