quarta-feira, 21 de janeiro de 2015

O mito económico (crónica publicada no Novo Jornal*)

                              Eike protagonizou a ascensão e a queda mais meteórica do Brasil (foto Veja Brasil)

A queda de Eike Baptista, que em 2012 foi considerado por Dilma Rousseff um exemplo para o Brasil, causou em 2013 um vendaval nas bolsas e um rombo nos bancos brasileiros, estimado agora em 2,9 mil milhões de dólares.
Há pouco mais de um ano, os brasileiros desdobravam-se a tentar responder à pergunta ‘como foi possível?’ Hoje, a questão que se coloca é quanto tempo o sistema brasileiro necessita para recuperar do rombo?
A queda do homem que tinha um Mercedes na sala, que exibia como peça de mobiliário, e que desfilava pelas televisões ao lado de modelos famosas escapou ao entendimento de jornalistas e analistas. Aos poucos, o puzzle foi montado e deixou um país inteiro envergonhado.
De homem mais rico do Brasil, Eike passou a perseguido. Levou um ano até que a justiça federal conseguisse reunir um processo contra ele, tal a complexidade do sistema que usou para manipular o mercado. Um grupo de empresas, o EBX, ancorado no petróleo.
O juiz federal Flavio Roberto de Souza, que preside ao julgamento do empresário, qualificou como momento “histórico” para a justiça a presença de Eike Baptista no banco dos réus. Não exagerou. “É um caso emblemático, considerando que é a primeira vez que um réu de renome internacional e com empresas fortes no mercado se senta no banco dos réus”, justificou o magistrado, no início do julgamento, em Novembro passado. O juiz não poupou nos adjectivos e qualificou Eike como um “garoto-propaganda das suas próprias empresas”, que tinha o “sonho megalomaníaco de se tornar o homem mais rico do mundo”.
Baptista é uma daquelas personagens típicas da ficção. Pouco ou nada nele é verdadeiro. Construiu um império em torno do petróleo, à custa da especulação e do inside trading e, com uma lufada de ar, tudo se desmoronou. Muito pouco ficou de pé nesta história, que serviu de teste para o mercado de títulos da América Latina.
No Brasil, os credores e parceiros de negócios de Eike correram para proteger os seus interesses. Nos EUA e na Europa, os investidores em activos da América Latina temeram que o naufrágio de Eike arrastasse outros títulos empresariais na região.
Nesta “história triste”, como foi descrita por Arthur Byrnes, director-executivo da Deltec Asset Management, multiplica-se o embaraço por ninguém ter percebido que Eike cresceu à custa da especulação e não do petróleo. Desde 2008, a sua empresa colocava no mercado acções que o próprio Eike valorizava.
A história conta-se em breves pinceladas. A OGX Petróleo “nasceu” em Novembro de 2007, quando arrematou 21 blocos, por 1,38 biliões de reais. Trinta e cinco meses depois, a 15 de Outubro de 2010, “atingiu seu ápice”, com um valor de mercado de R$ 75,2 bilhões – ou “o equivalente a um quinto do valor de mercado da Petrobras na época”, mesmo sem ter, até aquele momento, produzido uma gota de petróleo, enquanto a estatal produzia dois milhões de barris por dia.
O grupo de Eike estreou-se em bolsa a 13 de Julho de 2008, com a captação de 6,7 biliões de reais junto de investidores, a maior oferta pública de acções realizada no país, atingindo o valor de mercado de 38,68 biliões de reais (o equivalente a 14,40 biliões de dólares).
Em Agosto de 2010, a OGX anuncia ter descoberto gás na Bacia do Parnaíba, no Maranhão, com capacidade para produzir 15 milhões de metros cúbicos por dia, valor que representava “meia Bolívia”. Dois meses depois, as acções atingem a maior cotação, chegando aos 75,2 biliões.
A 15 de Abril de 2011, a OGX divulga que tem 10,8 biliões de barris de óleo, dos quais 1,1 bilião na Colômbia. A consultora DeGolyer faz a certificação do anúncio e, embora o volume não configurasse reservas provadas, as acções subiram.
Em Janeiro de 2012, a empresa de Eike produz o primeiro petróleo no campo de Tubarão Azul, na Bacia de Campos; dois meses depois, faz uma emissão de dívida no exterior no valor de 1 bilião de dólares e, em Julho, a OGX revê a produção do campo para cinco mil barris diários. Ou seja, um quarto do que tinha previsto.
A 1 de Julho, a petrolífera anuncia que o seu único campo em produção, o Tubarão Azul, pode parar de produzir petróleo em 2014 e que os outros três campos, também na Bacia de Santos, foram considerados inviáveis.
Dá-se início à derrocada de um império, construído com base na especulação, a matéria-prima mais transacionada na actualidade. E a queda do mito económico.

*Publicada no dia 16 de Janeiro de 2015

Sem comentários:

Enviar um comentário