segunda-feira, 5 de janeiro de 2015

Ano horribilis (crónica publicada no Novo Jornal*)

Ao olhar para o ano que termina há poucos motivos para sorrir. 2014 foi um ano horribilis, de norte a sul do planeta. Os que procuram razões no acaso contribuem para prolongar a má sorte. Os que acreditam que os fenómenos são consequência dos actos e decisões que tomamos têm, no balanço do ano, uma boa oportunidade para começar a traçar um novo plano.
Foi isso que fizeram os presidentes dos EUA e de Cuba. Traçaram um novo rumo para os seus países e, com ele, põem fim a um conflito político com mais de meio século, com prejuízos pesados para ambos, sobretudo para Cuba.
A análise dos acontecimentos, quer da vida pessoal de cada um, quer da vida colectiva, é a melhor forma de ultrapassar dificuldades e obstáculos que põem em causa a estabilidade de cada um e a de todos.
O avanço do autoproclamado Estado Islâmico, que marcou tragicamente o ano de 2014, é uma consequência de erros cometidos ao longo de mais de uma década por vários governos ocidentais e também do Médio Oriente. A política da terra queimada e do olho por olho, dente por dente, representa o suicídio colectivo das sociedades que por ela enveredam. Alimentar guerras como forma de afirmação internacional é uma demonstração de insensatez. Enriquecer uns à custa da esmagadora maioria é pôr em causa a segurança de todos.
O ano que agora termina é a confirmação de tudo isto. Provas não faltam para optar por uma nova ordem mundial que proteja o ser humano. Afinal de contas, somos todos iguais, independentemente da cor ou do lugar de onde viemos e na justa medida do que fazemos, assim nos será retribuído. Não adianta pensar que não. Mesmo que algumas pessoas e as suas histórias escapem a este fatalismo, como aconteceu a George Stinney, que foi executado há 70 anos nos EUA, apenas com 14 anos de idade.
O adolescente foi acusado de ter espancado e abandonado, já sem vida, duas crianças brancas. Os três tinham sido vistos a procurar um campo para apanhar flores silvestres. Em menos de 83 dias, o menino de raça negra foi preso, julgado por um júri composto por 12 homens brancos e executado, na cadeira eléctrica.
No dia da execução, o adolescente levou consigo uma Bíblia que foi usada para elevar o seu pequeno corpo e ajustá-lo a uma cadeira eléctrica feita para adultos.
A família de George nunca se conformou. Ano após ano tentou a reabertura do processo para provar a sua inocência. A pressão da família deu resultado. O caso foi reaberto e novas provas permitiram concluir que houve várias irregularidades nos depoimentos e na confissão do adolescente, que terá sido coagido a admitir o crime. A nova investigação permitiu ainda estabelecer ligações do júri que o condenou ao Klu Klux Klan, organização racista que defendia a supremacia da raça branca.
Finalmente, o pequeno Goerge Stinney foi declarado inocente, 70 anos depois da sua morte. A justiça tardou e não chegou a tempo de salvar a sua vida. Mas mantém a integridade da sua memória.
Outra prova de que as acções do ser humano têm um efeito boomerang é a história de Robbie, um sem-abrigo de Preston, Inglaterra, que viu a sua vida mudar de um dia para o outro graças à sua bondade.
Numa noite deste Inverno, uma jovem saiu de casa e apercebeu-se que tinha perdido o cartão Multibanco (Multicaixa). As moedas que tinha no bolso não lhe permitiam regressar a casa de táxi. Robbie apercebeu-se da aflição de Dominique e não hesitou em dar-lhe o único dinheiro que tinha no bolso: três libras (o equivalente a 4,68 dólares).
Dominique não aceitou o dinheiro, mas ficou sensibilizada com o gesto de quem dá o pouco que tem. A estudante lançou uma campanha para encontrar quem a ajudasse a ajudar Robbie, que estava há sete meses na rua, porque não conseguia encontrar um emprego por não ter uma morada. A campanha «Help Robbie Fund» foi um sucesso. No espaço de poucos dias, a jovem conseguiu arrecadar 21 mil libras. O montante necessário para comprar uma casa a Robbie.
Dominique aprendeu com o sem-abrigo uma importante lição de vida. “Toda a gente tem sido encorajadora e eu adorava levar o máximo de pessoas comigo para a rua para mostrarmos ao Robbie que o apoiamos – estejam lá 24 horas ou apenas uma. Espero que depois da minha campanha pensem um bocadinho mais em quem as rodeia, o Natal é uma boa altura para pensarmos nos outros”, afirmou.
Não há melhor mensagem de Natal do que esta. É com ela que me despeço do velho ano.

*Publicada no dia 26 de Dezembro de 2014

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