A Europa está em ebulição e nas vésperas de uma cimeira de chefes de Estado e de Governo, em Bruxelas, que marca o fim da presidência belga da União Europeia, os cidadãos do continente deram uma vez mais mostras de que não estão dispostos a pagar pelos erros dos políticos que os governam.
Na quarta-feira um deputado do Parlamento da Grécia, ex-ministro dos Transportes, teve de ser resguardado no meio de confrontos entre trabalhadores que aderiram a mais uma greve geral e a polícia. E nem isso impediu as agressões de que foi alvo por parte de manifestantes em fúria com o estado do país, mergulhado numa crise profunda, política e económica.
No mesmo dia, os sindicatos europeus organizaram uma série de manifestações de protesto contra os planos de austeridade em vigor em quase toda a União Europeia. Um sinal claro de que os trabalhadores não querem ser os únicos a pagar a crise, um dia antes da reunião dos líderes europeus em Bruxelas, onde é decidida a criação de um mecanismo permanente de resgate dos países da Zona Euro.
O apelo a uma “jornada de acção descentralizada” partiu da Confederação Europeia dos Sindicatos, com sede na capital política da União Europeia (Bruxelas), mas tem respaldo nos cidadãos da Europa unida, mais monetária do que politicamente. Os sindicatos dizem “não à austeridade para todos e a bónus só para alguns”. E os cidadãos questionam: “Como chegámos a este estado?”, tentando encontrar na descida ao abismo os responsáveis pelo empurrão que os está a precipitar para o fundo.
No espaço de poucos anos, a Europa passou da euforia do consumo farto, incentivado por uma moeda forte, à depressão colectiva provocada pelo aumento da dívida pública, pelo desemprego, pelos cortes salariais e pela perda de benefícios sociais. Isto sem que tivessem tempo para assimilar o que aconteceu, criando um sentimento de orfandade que tem réplicas em vários países da União Europeia.
Grécia, Irlanda, Espanha, Portugal, Itália vivem na corda bamba, tentando equilibrar-se. Os restantes países, dominados pela governação bicéfala da Europa “unida” – Alemanha e França – estão à boca do precipício à espera de ver quem é que se segue, conscientes de que têm muito pouca influência no destino que lhes cabe.
Por mais que Angela Merkel diga, como afirmou ontem em declarações ao Bild, que a Alemanha não pretende mandar na União Europeia, é a senhora chanceler que tem o queijo e a faca na mão. E que usa o utensílio como melhor convém ao seu país, que tem na Europa um gigantesco mercado de consumo para a potente indústria alemã, insistindo numa relação de usufruto unidireccional.
A senhora Merkel diz que a “Alemanha não dita leis a ninguém”, mas não aceita a emissão de dívida pública europeia – os chamados Eurobonds - para ajudar os países em dificuldades orçamentais.
A senhora Merkel apela à coesão de chefes de Estado e de Governo da União Europeia, que estiveram reunidos quinta e sexta-feira em Bruxelas, mas é ela própria agente de desagregação, ao rejeitar soluções preconizadas pelos países parceiros ou quando reúne em privado com (Nicholas) Sarkozy para concertar posições que só aos dois Estados interessam.
A senhora Merkel diz “acreditar na Europa e no euro” sem que haja desvios, mas esquece-se que a actual situação é insustentável porque uma moeda forte não serve, na mesma medida, a países fortes e países com debilidades estruturais e económicas e que partiram para o Euro com moedas fracas.
O chefe do Governo polaco, Donald Tusk, advertiu para o risco de desmantelamento da União Europeia e os alertas devem ser tidos em conta. As “ideias comuns na União Europeia estão a perder força” e a “divisão entre a União e os países da zona euro aprofunda-se”, justificou Tusk, encontrando paralelismo entre a actual situação e o “famigerado projecto da Europa a duas velocidades”.
Nas carruagens da frente vão a senhora Merkel e o senhor Sarkozy. Nas do meio vão os líderes dos países periféricos que pouco parecem importar à União Europeia. E nas de trás vão milhões de europeus que já põem em causa a direcção tomada pelo comboio e que ameaçam, à força, chegar a quem vai nas carruagens da frente.
Convém, pois, lembrar a quem vai nas carruagens da frente que todas elas estão ligadas por um corredor de acesso comum. E que as manifestações de protesto, marcadas nalguns casos por grande violência, são um sinal de que já vão a caminho.
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