segunda-feira, 27 de dezembro de 2010

Mais ou menos? (crónica publicada no Novo Jornal)

No norte, aposta-se em mostrar tudo.
No sul, encobre-se cada vez mais e só se mostra o que interessa.
São as surpresas de Natal que nos reservam dois países das imensas Américas.
Nos Estados Unidos, o canal televisivo HBO começou a emitir um reality show que leva mais longe o conceito de Big Brother, criado por Orson Wells, e que a holandesa Endemol transferiu para o mundo televisivo, com o programa que mostrava, em directo e em diferido, tudo o que faziam concorrentes fechados dentro de uma casa.
A casa agora chama-se Moonlight Bunny Ranch, um bordel localizado no Nevada, que serve de cenário ao concurso Cathouse: Catcall, que, traduzido à letra, quer dizer O Rancho das Coelhinhas.
Ora, o propósito do concurso é promover a profissão mais velha do mundo: a prostituição. Ou, pelo menos, esse é o desafio colocado às concorrentes, sete no total, que estarão frente às câmaras de televisão, com pouca roupa ou nenhuma, fazendo do corpo o seu trunfo.
As sete meninas têm como missão captar a atenção de clientes, seduzi-los numa table dance e até podem ganhar uns trocos se fisgarem alguém para uma noite a dois num dos quartos da mansão, que desde 1955 funciona legalmente como bordel na puritana América do Norte.
Não se vislumbra tarefa fácil às candidatas a coelhinhas que são tratadas como recrutas e aspirantes a trabalhar no bordel. Elas estão sujeitas às ordens de Suzette, a madame do prostíbulo, a quem devem agradar em primeira instância se quiserem sair vencedoras do desafio.
O conceito de bordel global não é uma originalidade. Na capital da República Checa, Praga, existe um prostíbulo que está ligado à internet, durante as 24 horas do dia. Ali os homens não pagam para ter sexo. Recebem dinheiro em troca de sexo transmitido pela internet, numa “receita” que gera lucros chorudos para os proprietários da “casa”. Os homens, quando entram, assinam uma declaração a ceder os direitos de imagem, recebem uma quantia em dinheiro e ainda gozam de umas horas de prazer.
Desconhece-se os termos em que os homens servem de cobaia ao Cathouse: Catcall. Mas uma coisa assegura um dos jurados do concurso, Dennis Hof: o programa vai ser um sucesso com imagens surpreendentes. Ninguém duvida disso, nem que os americanos vão estar de olho na televisão, apesar das críticas dos telespectadores mais puritanos.
Na Venezuela, o truque não está em despir, mas em cobrir.
A Assembleia Nacional aprovou uma nova lei que estabelece sanções e permite a suspensão das páginas Web quando o teor das mensagens transmitidas pela internet não seja do agrado do regime de Hugo Chávez.
A Lei de Responsabilidade Social em Rádio, Televisão e Meios Electrónicos, assim se chama o diploma, foi aprovada na noite de quinta-feira, com o protesto da minoria parlamentar, e é mais uma iniciativa para limitar a acção da imprensa.
De acordo com o diploma, a Comissão Nacional de Telecomunicações poderá restringir nos meios electrónicos (internet) a difusão de mensagens e o acesso a portais, em todos os horários, que promovam ódio e intolerância por razões políticas, diferenças de género, racismo ou xenofobia.
Também serão vetadas as mensagens que perturbem a sociedade, incitem a ignorar as autoridades, promovam o desrespeito pelos poderes públicos ou induzam ao assassínio do Presidente.
Ficarão sujeitas às novas regras os textos, imagens e sons cuja difusão e recepção tenha lugar no território venezuelano, cabendo aos administradores dos portais a responsabilidade pela informação e conteúdos publicados.
Para os que sejam tentados a condescender, a lei desincentiva a benevolência com sanções equivalentes a 3 e 4 por cento das receitas brutas do ano anterior e também a suspensão inicial do serviço por 72 horas e em caso de reincidência a revogação definitiva.
A oposição desmonta os bons propósitos enunciados pelo regime de Chávez e considera que a lei “viola a Constituição, a liberdade de expressão e o livre exercício da comunicação no país”, estimulando “a censura e a auto-censura”. A Câmara Venezuelana de Comércio Electrónico condenou a aprovação da lei, argumentando que ela “pretende estabelecer a censura e bloqueio de sítios Web e “atentar contra a liberdade de expressão”. Mas todos se preparam para acatar a decisão da maioria e colocar mais uma venda sobre os olhos dos venezuelanos.
Aqui, apesar do propósito proclamado de “fomentar o equilíbrio democrático”, o objectivo final é quanto menos melhor.

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