A frase que em 2008 levou Barack Obama à presidência dos Estados Unidos está a servir de mote às manifestações que nas últimas semanas se registam em vários cantos do globo terrestre.
Duas delas já fizeram cair governos – os da Tunísia e Egipto; uma delas reclama a falta de governação – na Bélgica, onde os líderes políticos não conseguem formar governo sete meses depois das eleições; outra contesta a “representação indecente e repetida da mulher como objecto de comércio sexual” por causa dos escândalos sexuais do primeiro-ministro Sílvio Berlusconi – “A Itália não é um bordel”, reclamaram milhares de mulheres e homens que a elas se associaram, no domingo; e outra restabelece o movimento que foi reprimido em 2009, quando milhares de pessoas foram para a rua contestar os resultados eleitorais que reconduziram Mahmoud Ahmadinejad na presidência do Irão; e manifestações anti-regime alastram ao Iémen, à Argélia e à Líbia, a mais antiga ditadura africana, no poder há 40 anos. Apesar das diferenças culturais, sociais, políticas e religiosas, as manifestações no norte de África, nos países islâmicos, e na Europa vão buscar inspiração ao exemplo que Obama deu ao mundo: o de que não há impossíveis quando o povo acorda e chama a si o poder de decidir. Mesmo contra um regime musculado.
Não foi impossível em 2008, quando o primeiro afro-americano surgiu a disputar a candidatura presidencial e mais tarde o lugar de Presidente, num acto de inusitada ousadia e coragem com resultados, previsivelmente negativos, diziam os analistas. Barack Obama venceu por uma larga maioria, apesar das inúmeras campanhas de intoxicação pública contra ele montadas. Como não foi impossível na Tunísia e Egipto, onde não surtiram efeito as manobras de propaganda e manipulação política. O regime de Mubarak no Egipto chegou a acusar o ocidente de estar por trás dos jovens que se concentraram, pagando 50 dólares por dia para se manterem na Praça Tahir, o que se demonstrou ser mentira.
No Irão, o regime de Mahmoud Ahmadinejad também joga a cartada da manipulação e do medo para desencorajar os protestos, mas sem resultados.
Enquanto Ahmadinejad tentava reverter a favor do regime iraniano a vitória dos protestos de Tunes e do Cairo, comparando a queda dos Presidentes da Tunísia e do Egipto à Revolução Islâmica que pôs fim ao regime do xá Reza Pahlavi, em 1979, milhares de pessoas responderam ao apelo dos líderes da oposição Mir-Hossein Mousavi e Mehdi Karroubi e importaram o “Dia da Raiva” para o Irão.
A manifestação tinha sido proibida, as forças de segurança esperavam um protesto sem expressão, mas foram surpreendidas pela afluência de iranianos e tiveram de usar, uma vez mais, a força para impedir que os manifestantes chegassem à praça Azadi, pólo da contestação de 2009 aos resultados eleitorais.
Duas pessoas foram mortas, na segunda-feira, em confrontos entre os manifestantes e as forças de segurança. O funeral de um jovem morto serviu de pretexto para novos protestos. E na terça-feira o Parlamento de Teerão transformou-se numa tribuna de ódio e raiva, com dezenas de deputados conservadores a exigirem a forca dos dois líderes da oposição, que se encontram em prisão domiciliária. Como se a decapitação da oposição fosse suficiente para estancar um movimento libertador que já não adormece ao som da cantiga de Ahmadinejad, que acusa os Estados Unidos de estarem por trás das manifestações que o Presidente iraniano classificou como obra dos “inimigos” da República Islâmica.
Em declarações à Reuters o director do Centro para os Estudos Árabes e Iranianos de Londres, Alireza Nourizadeh, afirmou que as manifestações dos últimos dias provam que o regime, que “passou dois anos a dizer que tinha acabado com o que chamou de grande conspiração”, estava “errado e que as pessoas ainda têm esperança”.
É oportuno recordar as palavras do escritor e jornalista brasileiro Fernando Sabino: “De tudo ficaram três coisas.../ A certeza de que estamos começando... /A certeza de que é preciso continuar.../ A certeza de que podemos ser interrompidos/antes de terminar...”
São muitas as diferenças que perpassam estas manifestações, mas são também muitos os pontos em comum e em todas elas há um mesmo desejo: um governo que os represente e os defende e não um governo que se serve ou serve uma pequena minoria.
Quer em Itália, como na Bélgica ou no Irão há que terminar aquilo que se começou.
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