domingo, 17 de abril de 2011

O embuste continua (crónica publicada no Novo Jornal)

O “resgate desnecessário” de Portugal, depois do irlandês e do grego, “deve ser um aviso a democracias em todo o lado”, porque não é “realmente sobre dívida”.
O alerta é feito pelo sociólogo norte-americano Robert Fishman que, num artigo publicado no New York Times, afirma que Portugal foi vítima da “pressão injusta e arbitrária” dos mercados financeiros internacionais, que ameaça Espanha, Itália e Bélgica e outras democracias em todo o mundo.
“Portugal teve um forte desempenho económico nos anos 1990 e estava a gerir a sua recuperação da recessão global melhor que vários outros países na Europa, mas foi sujeito a uma pressão injusta e arbitrária dos negociadores de obrigações, especuladores e agências de ‘rating’”, afirma o professor de sociologia da Universidade de Notre-Dame.
Estes agentes dos mercados financeiros conseguiram, por “razões míopes ou ideológicas”, levar à demissão de um governo democraticamente eleito e potencialmente “atar as mãos do que se lhe segue”, adianta Fishman, autor de um livro sobre o euro.
“Se forem deixadas desreguladas, estas forças de mercado ameaçam eclipsar a capacidade dos governos democráticos – talvez mesmo dos Estados Unidos – para fazer as suas próprias escolhas sobre impostos e gastos”, sublinha o sociólogo.
“Distorcendo as percepções de mercado da estabilidade de Portugal, as agências de ‘rating’ – cujo papel de favorecimento da crise do ‘subprime’ nos Estados Unidos foi amplamente documentado – minaram quer a sua recuperação económica, quer a liberdade política”, conclui Fishman.
Há muito que os mercados financeiros estão na mira do dedo acusador. Depois da crise financeira de 2008, a especulação virou-se para os países. E, caso não sejam adoptadas medidas concretas, as democracias, tal qual as concebemos hoje, estão em risco. Quem determina o rumo dos países deixam de ser os governos e passam a ser os especuladores. E isso é assustador.
Robert Fishman é claro na apreciação que faz. Quando os mercados apontam um alvo não desviam a mira e não há nada que os governos possam fazer. O documentário Inside Job, de Charles Fergunson, revela a verdade da crise, através de uma pesquisa extensiva e entrevistas com economistas, políticos e jornalistas. Inside Job, vencedor do Óscar 2011 para o melhor documentário, mostra as relações corruptas existentes na sociedade. Os homens que criaram a catástrofe, que custou mais de 20 triliões de dólares e que fez com que milhões de pessoas perdessem as casas e os empregos, foram demitidos após o choque. Mas foram posteriormente chamados pela administração Obama para resolver a crise que eles próprios criaram. Hoje ocupam os lugares chave na economia norte-americana, mantendo o jogo a rolar da mesma maneira. A Europa tenta reagir, mas o jogo já está viciado.
Faz lembrar o golpe de uma família de etnia cigana que, através de um esquema engenhoso, extorquiu dinheiro a vários empreiteiros em Portugal, desde 2005.
Primeiro chegava o filho, num Volvo descapotável, impecavelmente vestido. Depois, juntava-se-lhe o pai. Barba aparada, carro de luxo. Abordavam os vendedores de uma urbanização a estrear no mercado. Queriam um apartamento, caro, mas precisavam dele para o dia seguinte. O dinheiro não era problema, como demonstravam os 60 mil euros (86 mil dólares) passados para a mão do vendedor como sinal. Mesmo sem escritura, a urbanização aceitava a venda e permitia a mudança. Os novos inquilinos chegavam, no dia seguinte. Para trás tinham ficado as roupas de marca, a boa apresentação e os carros de luxo. Furgões e roulottes, com aspecto degradado, deixavam à porta do prédio três casais e seis crianças. O circo instalava-se. Colunas de aparelhagem eram penduradas nos parapeitos das janelas a debitar decibéis, churrascadas nas varandas espalhavam fumo pela vizinhança, lixo e urina eram despejados para dentro dos elevadores e pelas escadas, as crianças partiam as portas do apartamento e da rua, as mulheres distribuíam impropérios pelos moradores e, no final do dia, metiam-se nos furgões e nas roulottes e desapareciam até ao dia seguinte.
Conscientes de que não conseguiriam vender mais nenhum apartamento com os novos inquilinos por perto, os empreiteiros devolviam os 60 mil euros de sinal e ainda entregavam à família quantias, que foram dos 77.500 euros até aos 200 mil euros, pela rescisão do contrato.
O esquema teve réplicas por várias urbanizações portuguesas até que os burlões foram detidos, ao contrário dos primeiros que continuam o embuste. Impunemente e de fato e gravata.

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