sexta-feira, 6 de maio de 2011

O poder da imagem (crónica publicada no Novo Jornal)

No dia 8 de Junho de 1972, um avião da Força Aérea Vietnamita descarrega bombas de Napalm sobre Trang Bang, povoação localizada a 30 quilómetros de Saigão. A operação militar, destinada a travar o avanço dos vietcongs sobre a capital, mata centenas de homens, mulheres e crianças. A objectiva do fotógrafo vietnamita Nic Ut capta o momento em que várias crianças correm pela estrada fora com o terror estampado no rosto. Atrás de si soldados americanos parecem indiferentes ao sobressalto. Dos rostos infantis sobressai o de uma menina, de nove anos, que corre nua, gritando “muito quente, muito quente”. O seu corpo é testemunho vivo do terror: as costas, ombros e os braços estão queimados pelo Napalm. Kim Phuc torna-se o rosto das vítimas do Vietname, a fotografia marca uma viragem no curso da guerra. A 12 de Agosto fica concluído o processo de retirada das tropas norte-americanas do Vietname.


Bibi Aisha tinha 18 anos quando se deixou fotografar pela sul-africana Jodi Bie com o nariz e as orelhas cortadas. A rapariga afegã foi mutilada pelo marido, com a ajuda da família, depois de a jovem ter fugido de casa por maus tratos. Militares norte-americanos resgataram Aisha e levaram-na para um refúgio de mulheres em Cabul, onde foi fotografada. Cirurgiões norte-americanos viram a foto e ofereceram-se para devolver o nariz ao rosto que, apesar da mutilação, não perdeu a beleza. O retrato foi capa da revista «Time», de 1 de Agosto 2010, e valeu à fotógrafa o prémio de Fotografia do Ano do World Press Photo.

Em 1945, os americanos lutam para conquistar a ilha japonesa de Iwo Jima. Cinco marines sobem o monte Suribachi e erguem uma enorme bandeira dos EUA. O fotógrafo Joe Rosenthal dispara e a imagem corre mundo, tornando-se inspiradora para a vitória dos Aliados na II Guerra Mundial. Dos cinco soldados só três sobrevivem e regressam a casa. São recebidos como heróis. John “Doc” Bradley (Ryan Phillippe), da Marinha de Guerra; Ira Hayes (Adam Beach), um ameríndio, tímido e avesso a publicidade; e Rene Gagnon (Jesse Bradford), mensageiro do tempo da guerra que evitou disparar a sua arma, percorrem o país de lés a lés. O poder da sua imagem vai salvando o esforço de guerra, cada vez mais enfraquecido. Em 2007, o realizador e actor Clint Eastwood conta a história da foto mais famosa da Segunda Guerra Mundial em «A Bandeira dos nossos pais».

Alberto Korda fotografou, no dia 5 de Março de 1960, Che Guevara, em Havana, Cuba, durante um memorial dedicado às vítimas da explosão de La Coubre. O «Guerrilheiro heróico», como a foto ficou conhecida, só foi publicada internacionalmente sete anos depois. O retrato captou, segundo Korda, as características do guerrilheiro: “Carácter, firmeza, estoicismo e determinação”. O rosto de Guevara, com 31 anos, demonstrava “imobilidade absoluta, raiva e dor”. Nem o próprio fotógrafo cubano, que até aí se dedicava a retratar modelos femininos, se apercebeu do poder da imagem que viria a ser um ícone da revolução cubana e símbolo das revoluções.

A 12 de Novembro de 1991 tropas indonésias irrompem pelo cemitério de Santa Cruz atirando sobre estudantes que acompanhavam o funeral do jovem Sebastião Gomes. O jornalista australiano Max Stahj consegue captar as imagens do massacre e fazê-las sair do território. Um frame de um rapaz ferido a esvair-se em sangue, amparado por um amigo, ao som das metralhadoras, corre mundo. 271 pessoas morrem, 278 ficam feridas, 270 desaparecem. O mundo acorda para o que se passa em Timor. As imagens do massacre assinalam o início da derrota da ocupação indonésia, o fim da opressão e o nascimento de um novo país.

Os jornais publicaram uma foto de Osama Bin Laden, alegadamente, morto. A Administração norte-americana esclareceu que eram imagens falsas; manipulações do rosto do líder da Al-Qaeda, abatido no domingo, no Paquistão. O porta-voz da Casa Branca, Jay Carney, disse que as fotografias em que Bin Laden aparece baleado “são chocantes” e que, por isso, estava a ser avaliada a sua divulgação. O chefe dos serviços secretos norte-americanos, Leon Panetta, admitiu que, mais tarde ou mais cedo, a Casa Branca acabaria por tornar pública uma fotografia para provar que o líder da Al-Qaeda morreu. O presidente norte-americano decidiu não publicar por recear que possam inflamar tensões e incitar à violência. As fotos de Bin Laden correm o risco de ficar na história. Não por serem chocantes, mas por não terem sido vistas.

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