sábado, 21 de maio de 2011

O poder vicia (crónica publicada no Novo Jornal)

Na vida pública nem tudo o que parece é; mas a maior parte do que parece é-o de facto.
Este axioma vem a propósito de um outro postulado que tem séculos de comprovação empírica e cujos exemplos abundam. Nos últimos dias são tantos os casos de abuso de poder que o aforismo atinge quase o estatuto de verdade científica.

A senhora chanceler alemã Angela Merkel exigiu a unificação da idade da reforma e dos períodos de férias na União Europeia, criticando os sistemas vigentes na Grécia, Espanha e Portugal.
Diz ela que “não se trata só de contrair dívidas” neste três países – os mais insulares da Europa – mas na Grécia, Espanha e Portugal as “pessoas não devem poder ir para a reforma mais cedo do que na Alemanha”.
Merkel, que os políticos do sul consultam antes de se deslocarem aos centros de poder institucionais da Europa sempre que precisam de ajuda, não se ficou por aqui quando discursava num comício partidário.
A senhora chanceler afirmou, alto e bom som: “Todos temos de fazer um esforço, isso é importante, não podemos ter a mesmo moeda, e uns terem muitas férias e outros poucas".
Ora, os portugueses, que gostam de andar de papo para o ar a gozar os efeitos do sol, estremeceram e ficaram condoídos: “Coitados dos alemães, devem ser como os chineses. Ou não gozam férias, ou gozam poucos dias, no afã de trabalharem”.
Sucederam-se as reacções no país de Camões, com os líderes políticos e sindicais a desdobrarem-se em declarações e explicações.
Não é bem assim, clamaram. Afinal, a lei alemã impõe que as empresas concedam aos trabalhadores um mínimo de 20 dias de férias por ano. Mas, fruto de acordos colectivos, este período nunca é cumprido, chegando a ultrapassar os 30 dias úteis.
Ou seja, os alemães gozam mais férias do que os portugueses, que têm direito a 22 dias e, nalguns casos, a 25. Só que quem manda são os alemães, como deixou claro a senhora Merkel, e, portanto, têm direito a descansar durante mais tempo.
O homem que mandava no Fundo Monetário Internacional (FMI), o francês Dominique Strauss-Khan, foi detido no sábado, nos Estados Unidos, por acusações de agressão sexual a uma empregada de limpeza do Sofitel Nova Iorque.
Rezam as notícias que o director-geral do FMI acabava de tomar banho quando a empregada de limpeza irrompeu pela suite, de dois mil euros a diária, julgando que o hóspede já tinha saído e deparou com o homem de tolha enrolada ao corpo.
Na presença de uma jovem, de 32 anos, o “chimpanzé com cio”, como lhe chama a jornalista e escritora francesa Tristane Banon, que acusa Dominique de a tentar violar em 2002, confundiu os serviços prestados pela mulher, de origem senegalesa (segundo o NY Daily News, que falou com um irmão que desmentiu a origem guineense), e forçou-a a fazer sexo oral.
Os franceses, que aprenderam com os americanos a teoria da conspiração, recusam acreditar em tamanho desequilíbrio de um homem que simbolizava o poder financeiro mundial e que estava prestar a tornar-se no próximo Presidente da França. Insistem que Strauss-Khan foi vítima de um complô. É que não passa pela cabeça dos franceses, e da sua coquete forma de vida, que um dos seus fosse capaz de acto tão bárbaro e primário. Mesmo perante as evidências, que circulavam em surdina, de que Dominique andava sempre envolvido em problemas decorrentes de “cherche la femme”. Os escândalos somavam-se, eram sistematicamente abafados e as investidas de Strauss-Khan aumentavam na mesma intensidade que escalava o poder. Até ser destruído por uma imigrante que, na base da pirâmide, o derrubou. E por um sistema de justiça que não distingue criminosos, mesmo que alguns deles tenham o carimbo do poder.
Vladimir Putin, o homem que gosta de mostrar os músculos e posar ao lado de animais por ele abatidos, “cedeu” o lugar de Presidente ao seu ex-primeiro-ministro, Dmitri Medvedev, por estar impossibilitado de concorrer a um terceiro mandato.
Como numa dança de cadeiras: Medvedev ocupou o lugar de Putin e Putin tomou o assento de Medvedev. O primeiro era primeiro-ministro, passou a Presidente, mas continuou a estar sob a alçada do segundo, que era quem verdadeiramente mandava na Rússia.
Não causa estranheza a ninguém que, após um tabu de semanas, Medevedev venha agora excluir a possibilidade de concorrer às presidenciais de Março de 2012 contra o primeiro-ministro Putin.
Era claro como água que era isso que ia acontecer. Dmitri nunca deixou de ser um “fantoche” de Putin que, de peito inchado, revela uma indisfarçável apetência pelo poder.
Se é certo que há quem exerça o poder com moderação e princípios, é igualmente verdade que as excepções confirmam a regra: o poder vicia e leva ao abuso.

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