segunda-feira, 18 de julho de 2011

Acima da lei (crónica publicada no Novo Jornal)

Slobodan Milosevic foi preso pela polícia sérvia, a 28 de Junho de 2001, e transferido para o Tribunal Penal Internacional para a ex-Jugoslávia, em Haia, para responder por crimes de guerra. O ex-presidente da extinta República Federal da Jugoslávia não chegou a conhecer a sentença. Foi encontrado morto na sua cela, no dia 11 de Março de 2006, poucos meses antes da conclusão do seu julgamento.
O general Augusto Pinochet chegou ao poder, após um golpe militar, a 11 de Setembro de 1973, que provocou o derrube e a morte do Presidente eleito Salvador Allende. Governou o país com mão de ferro, silenciando e matando as vozes que se lhe opunham. A 16 de Outubro de 1998 foi detido, em Londres, pela Scotland Yard, na sequência de um mandato de busca e apreensão emitido pelo juiz espanhol Baltasar Garzón. Foi-lhe levantada a imputabilidade e foram-lhe movidos vários processos. Morreu, aos 91 anos, de enfarte de miocárdio.
Charles Taylor foi presidente da Libéria, entre 1997 e 2003. Governou e governou-se. Exilou-se na Serra Leoa, mas acabou por ser capturado na Nigéria, quando se preparava para fugir com duas malas cheias de dólares e euros. Foi presente ao Tribunal Especial para a Serra Leoa, por 11 crimes de guerra e contra a Humanidade. É o primeiro presidente africano a ser julgado pela justiça internacional. A sentença deverá ser conhecida em 2012, mas as organizações estão confiantes na “condenação exemplar” que “poderá constituir um procedente para outros líderes”.
Omar al-Bashir tomou o poder no Sudão, a 30 de Junho de 1989, após um golpe de Estado. A 4 de Março de 2009, o Tribunal Penal Internacional emitiu um mandato de prisão e captura em seu nome, por acusações de genocídio no conflito do Darfur. Apesar do mandato, o primeiro emitido contra um chefe de Estado em exercício, concorreu às eleições de 2010, as primeiras com múltiplos partidos políticos. A 26 de Abril foi declarado oficialmente vencedor.
No dia 26 de Julho de 2010, Kaing Guek Kay, antigo dirigente dos Khmers Vermelhos, foi condenado a 30 anos de prisão por crimes de guerra contra a Humanidade. O «Douch», nome de guerra por que era conhecido, é um dos últimos sobreviventes entre os ex-líderes do regime de Pol Pot e foi o primeiro de cinco ex-dirigentes a ser julgado e condenado pela participação nas atrocidades cometidas na década de 1970 e que causaram a morte a dois milhões de pessoas, quase um quarto da população do Camboja.
Estes são alguns dos nomes de ex-presidentes e dirigentes acusados e julgados por crimes cometidos durante a sua governação, numa galeria onde constam nomes de todos os continentes do planeta. De quase todos. No continente americano, a lista peca por defeito, incidindo apelas no sul e no centro, fruto da distorção na interpretação das leis internacionais.
Nenhum presidente norte-americano foi indiciado, apesar de haver matéria suficiente para uma acusação.
Esta semana, a Human Rights Watch acusou a administração de Barack Obama de estar a violar as obrigações internacionais dos Estados Unido, nomeadamente a Convenção contra a Tortura, por não investigar o ex-presidente George W. Bush por alegadas torturas a detidos.
A organização defensora dos direitos humanos divulgou um extenso relatório sobre as denúncias de alegados terroristas detidos sobre maus-tratos que terão sofrido e que alegadamente foram “autorizados pelo presidente Bush e outros funcionários”.
O documento de 107 páginas, intitulado “Tortura impune – a administração de Bush e os maus-tratos dos detidos”, contém o que a organização classifica de “informação substancial que justifica a investigação criminal de Bush e outros funcionários do seu governo, como o ex-vice-presidente Dick Cheney, o ex-chefe do Pentágono, Donald Rumsfeld, e o ex-diretor da Agência Central de Inteligência (CIA), George Tenet”.
A HRW considera mesmo que “o desprezo do governo dos EUA pelos direitos humanos na luta contra o terrorismo nos anos seguintes ao 11 de Setembro fez cair a posição moral do país, deu um mau exemplo a outros governos e minou os esforços para reduzir a militância anti-americana em todo o mundo”.
O “recurso a torturas, desaparecimentos forçados e prisões secretas da CIA foi ilegal, imoral e contraproducente” e são, segundo a organização, motivos suficientes para a criação de uma comissão independente para investigar estes abusos.
Se ninguém nos Estados Unidos, nem o actual presidente, tem coragem para o fazer, que haja um juiz internacional que obrigue Bush a sentar-se no banco dos réus. Como fez Baltasar Garzón com Augusto Pinochet. Porque não deve haver ninguém acima da lei.

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