segunda-feira, 10 de outubro de 2011

Indignai-vos (crónica publicada no Novo Jornal)

O fosso entre os muito ricos e os muito pobres, a ecologia e o terrorismo são os três grandes desafios que a Humanidade enfrenta. Quem o afirma é o ex-diplomata Stéphane Hessel, numa entrevista à agência de notícias Efe, a propósito da publicação em Espanha da autobiografia «Danse avec le siécle», onde o resistente Nazi, aos 93 anos, fala sobre os desafios da Humanidade para as próximas décadas.
O olhar do único redactor ainda vivo da Declaração Universal dos Direitos do Homem, assinada em 1948, é realista mas não é desprovido de esperança. A mudança é possível, mas depende dos cidadãos. Estes “nunca devem desanimar”, apesar das muitas contrariedades que vivam. E Stéphane sabe do que fala.
Nascido em Berlim, em 1917, Hessel cedo foi viver para a França com a família. A sua origem judaica obrigou-o, uma vez mais, a mudar de país, tendo abandonado a França para se juntar à Resistência liderada por De Gaulle, em Inglaterra.
Em 1944, foi preso em França e enviado para os campos de resistência nazi, de onde conseguiu evadir-se. Após a guerra, iniciou uma longa carreira diplomática, representando a França, país que lhe deu a nacionalidade, junto das Nações Unidas.
Foi este homem - que sofreu privações, que nunca se resignou e que nunca se conformou com a iniquidade e a crueldade – que, em 2010, publicou o manifesto «Indignai-vos» para agitar as consciências contra as injustiças e a desigualdade.
“O mundo é menos injusto hoje do que quando eu era jovem, mas ainda continua injusto”, afirmou Hessel, justificando o título do seu manifesto que, apesar de ter vendido mais de dois milhões de exemplares, só em França, ainda não teve o impacto que devia ter tido para corrigir a rota arbitrária.
Os protestos sucedem-se um pouco por todo o lado – no norte de África, na Europa e nos Estados Unidos – mas, à excepção da Primavera Árabe, que derrubou regimes ditatoriais na Tunísia, no Egipto e na Líbia, não produzem os efeitos pretendidos.
Hessel, que viveu o “horror absoluto” nos campos de concentração e no dia em que completou 27 anos escapou à forca ao trocar de identidade com um homem que tinha morrido de tifo, diz que a sua tábua de salvação foi o optimismo, a alegria de viver e a poesia.
Quer nos campos de concentração, quer na resistência lutou contra Hitler e venceu.
Hoje, o mundo enfrenta a ditadura da ganância empresarial e do lucro fácil, a hegemonia da desigualdade, que vai cavando cada vez mais o fosso entre ricos e pobres e que há três semanas engrossa o movimento «Occupy Wall Street», que leva milhares de jovens para as ruas para protestar contra o sistema económico e político norte-americano.
O presidente da Reserva Federal (Fed) norte-americana mostrou-se esta semana compreensivo com o movimento. “Como toda a gente, não estou satisfeito com o que está a acontecer com a economia”, disse Ben Bernanke, numa audiência no Congresso, em Washington, mas iludiu o seu papel no problema. Ben fez parte da deriva especulativa, faz parte da manutenção do problema
O presidente da Reserva Federal foi questionado por Bernie Sanders, senador pelo Estado do Vermont, se concorda com a avaliação dos manifestantes de Nova Iorque, e de “milhões de outros americanos, de que foi por causa da ganância, da irresponsabilidade e do comportamento ilegal de Wall Street” que os EUA “mergulharam na recessão horrenda” em que estão.
Ben respondeu que “a tomada excessiva de riscos em Wall Street teve muito a ver com isso, tal como algumas falhas dos reguladores”. E admitiu que “muitas das regras a serem concretizadas (no pacote legislativo) Dodd-Frank ainda não estão a ser impostas ou totalmente realizadas”, o que quer dizer que não é possível concluir que não volte a acontecer um novo colapso do mercado financeiro.
“Mas acredito que à medida que o processo avança vamos ter melhorias muito substanciais”, adiantou Bernanke, numa tentativa de malabarismo para iludir a realidade, prontamente desmascarada pelo senador: “Com o devido respeito, discordaria”.
É que, apesar de o mundo estar à beira do colapso financeiro – não são só os países da Europa e o Euro que estão em risco, o próprio dólar está à beira da implosão tal é a dimensão da dívida norte-americana – os especuladores continuam a especular com a complacência dos políticos.
O que me permite um sublinhado e uma correcção às palavras de Stéphane Hessel. O mundo precisa de optimismo, sim, mas necessita sobretudo de líderes com coragem. E capazes de levar a batalha até ao fim. Como fizeram os que derrubaram Hittler.

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