“Durante muito tempo, os homens e as mulheres demonstraram o seu optimismo, sonhando com um novo Senegal. De várias formas, pediram que me candidatasse nas presidenciais de Fevereiro. Eu ouvi-os, compreendi-os e respondo favoravelmente ao pedido. Sou candidato”, anunciou o cantor, num discurso divulgado por uma rádio e uma televisão do grupo de que é proprietário, a Futurs Médias.
O cantor, de 52 anos, considerado um dos artistas mais importante de África, materializa desta forma o descontentamento de muitos senegaleses pelo anúncio da recandidatura de Wade a um terceiro mandato, quando a Constituição do país só permite duas candidaturas presidenciais.
Apesar de o Senegal ter uma das democracias mais bem sucedidas em África não faltaram tentativas de Abdoulaye Wade, de 85 anos, para se perpetuar no poder. Para além de tentar manietar a oposição, usando os serviços do Estado nesse objectivo, o actual Presidente tentou aprovar uma reforma constitucional que visava baixar para 25% a percentagem mínima necessária para a eleição do presidente logo à primeira volta, em vez dos actuais 50%.
O projecto da reforma desencadeou, em Junho de 2011, uma onda de manifestações por todo o país, que obrigaram o Presidente a recuar e a fazer cair por terra aquele que, segundo a oposição, era o verdadeiro desígnio de Wade: eleger o seu filho, que lidera um super-ministério responsável pela gestão de um quarto do orçamento nacional.
Falhado esse objectivo, Abdoulaye, eleito pela primeira vez em 2000, anunciou a recandidatura a um terceiro mandato, impelindo Youssou N’Dour, que é bastante crítico quanto à actuação do actual Presidente, a quem acusa de gastar demasiado dinheiro, a defrontá-lo nas urnas.
N’Dour assume que não tem estudos superiores, mas a “presidência não é uma profissão”. É “uma função”, como alega o músico, que tem requisitos suficientes para cumprir aquele que qualificou como um “dever patriótico supremo”.
Youssou N’Dour tem feito da sua bem sucedida carreira musical uma plataforma ao serviço de causas humanitárias. O músico, que é embaixador da boa vontade para a ONU e a UNICEF, actuou em diversos concertos em benefício da Amnistia Internacional, com artistas como Peter Gabriel, Paul Simon, Sting, Bruce Springsteen e Tracy Chapman. Em 1985 - nove anos antes do dueto com Neneh Cherry «Seven Seconds» que o tornou conhecido à escala planetária - organizou, em Dakar, um concerto pela libertação do líder histórico sul-africano Nelson Mandela. E não tem parado de contribuir para o desenvolvimento sociocultural do seu país.
Na sua declaração de candidatura, N’Dour assume como compromisso “fazer do Senegal um país que cresça através de iniciativas pela paz, agricultura e projectos sociais nas áreas da saúde e educação”.
Bandeiras que precisam de ser hasteadas num país que concentra metade da sua população, estimada em 11 milhões de habitantes, na capital. Concentração propícia à desumanização e despojamento.
O anúncio da candidatura do músico senegalês à presidência do seu país é um bom indício no arranque de 2012, um ano associado à catástrofe.
N’Dour não precisa do cargo para ganhar notoriedade, nem para conquistar fortuna – a sua carreira e os mais de 20 álbuns editados já lhe granjearam riqueza e colocaram-no no patamar das estrelas planetárias. Quer pôr-se ao serviço dos seus conterrâneos, como o fez, numa outra escala do poder, Ali Farka Touré.
O músico maliano, baptizado com o cognome Farka por ser o único sobrevivente de 10 filhos, trocou em 2004 as digressões mundiais pelo cargo de presidente da Câmara de Niafunké, pequena vila agrícola perto do rio Niger, onde nasceu.
Touré aplicou todo o dinheiro que ganhou com a música em máquinas de exploração agrícola, por considerar que o seu lado de produtor de alimentos era mais importante que o de músico. Abriu canais de irrigação na sua vila natal no deserto e levou a electricidade ao seu povo, através de grupos de geradores.
O pai do blues, como a ele se referiu várias vezes o realizador norte-americano Martin Scorsese, não teve tempo para mais. Em Março de 2006, na sequência de um cancro, Ali Farka Touré morre, aos 66 anos, deixando um legado musical que reúne o r&b, a soul, o rock&roll e o pop, numa viagem pelas raízes de toda a música popular moderna.
Seria bom que o exemplo tivesse uma réplica no Senegal, no mais alto cargo da Nação.
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