segunda-feira, 16 de janeiro de 2012

Exércitos a nu (crónica publicada no Novo Jornal)

Numa altura em que se assinalam 10 anos de existência da prisão de alta segurança na baía de Guantanamo, voltam a surgir provas dos abusos cometidos pelo exército norte-americano, desta vez não no antigo campo militar que os EUA têm na ilha cubana desde 1903, mas possivelmente no Afeganistão.
A internet volta a ser o meio de divulgação. Um vídeo que mostra quadro soldados a urinar sobre cadáveres de alegados talibãs foi parar ao youtube e, na quarta-feira, o Pentágono e o Corpo de Marines viram-se obrigados a reagir, anunciando a abertura de um processo de investigação.
Isto depois de uma catadupa de reacções na internet, com comentários de indignação provenientes de vários pontos do globo.
O vídeo amador, de 32 segundos, mostra como um soldado filma outros quatro que urinam sobre três cadáveres ensanguentados, presumivelmente de talibãs, entre risos e piadas, com um deles a dizer “tem um bom dia, amigo”.
Desconhece-se quem publicou o vídeo e quando foi gravado, mas, de acordo com a CNN, os funcionários do Pentágono encarregados do caso acreditam que ele é real e que os uniformes, armas e capacetes dos quatro soldados poderão pertencer a uma unidade no Afeganistão, onde se encontram cerca de 20 mil marines, principalmente nas regiões de Kandahar, no sul, e de Helmand, no sudoeste.
Para além de indignação internacional, o vídeo criou novos escolhos na relação entre as autoridades norte-americanas e as organizações islâmicas no país.
O Conselho para as Relações Américo-Islâmicas, principal associação muçulmana americana, enviou uma carta ao Secretário da Defesa, Leon Panetta, a condenar esta “aparente profanação de corpos”, que poderá pôr “em risco outros soldados, assim como os civis”.
“É uma violação das regras do exército do nosso país e das leis de guerra que proíbem tais acções imorais e repugnantes”, refere a associação.
O Exército norte-americano intensificou os esforços para evitar que imagens deste tipo, que vão contra os valores militares, se tornem públicas, desde que, em 2004, foram divulgadas fotografias de maus-tratos, abusos e tortura contra reclusos na prisão americana de Abu Ghraib, no Iraque, e que colocaram os EUA sobre forte pressão internacional.
Mas não têm sido suficientes para vedar os abusos cometidos pelas tropas americanas, sobretudo no Iraque e no Afeganistão, alguns dos quais já convertidos a filme por Hollywood.
Na era das novas tecnologias da informação, um simples telemóvel torna permeáveis os excessos e crimes cometidos pelos exércitos. A Primavera Árabe, que no ano passado eclodiu no norte de África, demonstra-o, assim como as investidas em 2010 do exército tailandês para silenciar os protestos dos camisas vermelhas contra o regime na Tailândia.
Mais recentemente, as imagens de soldados egípcios a espancar e despir uma mulher indefesa, durante manifestações no Cairo obrigaram o exército repressor que sobreviveu à queda do regime de Mubarak a explicar-se.
E na Austrália está a ajudar a montar a acusação num novo escândalo sexual contra o exército, que inclui alegações de agressões, pornografia infantil, violações e drogas entre as suas fileiras, de acordo com o canal de televisão Seven News.
No ano passado foram registados mais de 100 incidentes entre as forças armadas australianas, desde percalços com armas a agressões sexuais, especialmente entre a Marinha, onde as alegações de má conduta em quatro navios de guerra estão a ser investigadas.
Entre os casos investigados há dois que já foram entregues à polícia, um diz respeito a um oficial sénior que filmou encontros sexuais que teve com marinheiros juniores e o de uma marinheira que diz ter sido sexualmente agredida por um colega durante uma visita ao porto de Singapura.
Após a denúncia deste escândalo as Forças Armadas da Austrália emitiram um comunicado, onde alegam “não haver tolerância para violações ou falhas de segurança”.
Entre a reacção das cúpulas do exército norte-americano e o australiano há uma diferença digna de realce.
A estratégia nos EUA passa por abafar os abusos ou quando passam para o domínio público julgá-los, muitas vezes mal e com condenações cirúrgicas de patentes mais baixas, pelos tribunais militares.
Na Austrália, o exército enfrenta as acusações, não enterra a cabeça na areia como faz a avestruz, e, muitas vezes, entrega as questões criminais às autoridades civis competentes, impedindo desta forma que haja viciação dos resultados.
Uma organização mede-se pela forma como reage à adversidade.
E neste dois casos percebe-se bem a diferença!


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