segunda-feira, 30 de abril de 2012

Histórias de amor (crónica publicada no Novo Jornal




Fotos: thetutuprojecto.com

O minúsculo tutu cor-de-rosa faz sobressair os pneus e a barriga peluda. A peça de bailarina está em contradição com o corpo másculo e desajeitado. O resultado comove pela beleza anacrónica que anula a dessincronia entre o objecto e a paisagem que lhe serve de fundo.
«The Tutu Project» nasceu em 2003. Confrontado com a doença da mulher (cancro da mama), o fotógrafo norte-americano Bob Carey decidiu deixar-se fotografar de fato de bailarina cor-de-rosa em inúmeros cenários para fazer sorrir a mulher Linda, amenizando-lhe a dor.
O resultado revelou-se surpreendente e tornou-se num projecto de vida, que pode ser acompanhado no site www.thetutuproject.com que Bob Carey criou e que, dada a grande adesão, está a servir para apoiar financeiramente organizações de luta contra o cancro.
Ilustrado com uma fotografia de Bob em tutu no meio de um pasto verde, a disputar protagonismo com cinco vacas a pastar, o site abre com um texto onde o fotógrafo explica o trabalho que desenvolve.
“Há nove anos, eu e a minha mulher mudámo-nos para a costa leste, para começar uma vida”. Seis meses depois, foi diagnosticado a Linda um cancro de mama e, como forma de ajudar a mulher a enfrentar a doença, Bob decidiu deixar-se fotografar nesta improvável pose para a fazer rir e também como forma de se expressar e mitigar a dor que ele próprio sentia.
O site e as imagens reproduzidas suscitaram reacções tão emocionadas que Bob decidiu publicar um livro - «Ballerina» - cujas receitas das vendas são destinadas a organizações de luta contra o cancro para ajudar mulheres em tratamento. Nele podemos encontrar dezenas de fotografias em vários pontos do país (vale a pena espiar as fotos no site) e muitas histórias divertidas sobre as “aventuras de um tipo e o seu tule rosa”.
Esta história de amor, tão surpreendente como emocionante, terminou bem.
A mulher venceu o cancro; Bob descobriu o “poder, a beleza e o espírito” de Linda; e a doença ensinou a ambos que a “vida é boa” e que a melhor forma de lidar com os momentos difíceis e “enfrentar um novo dia é rirmos de nós próprios e partilhar essa gargalhada com os outros”.
Outra história partilhada com o mundo valeu ao realizador Britânico Daniel Junge e à realizadora e jornalista canadiano-paquistanesa Sharmeen Obaid-Chinoy o Óscar de melhor documentário de curta-metragem, deu a conhecer o trabalho do médico londrino, de origem paquistanesa, Mohammad Jawad na reconstituição de rostos femininos desfigurados e projectou uma das formas mais desumanas de violência doméstica, muito frequente em alguns países do mundo, sobretudo islâmicos.
«Saving Face» conta a história de uma mulher com a cara desfigurada com ácido em Karachi que luta pela condenação do agressor nos tribunais do Paquistão.
A história é sempre a mesma. Só mudam os nomes e os rostos. “Uma jovem muito bonita, vítima de violência doméstica extrema, por parte do marido, que culmina num ataque de ácido que a transfigura para sempre”, resume o médico Mohammad Jawad, numa entrevista à revista portuguesa Sábado.
O realizador Daniel Junge teve conhecimento do trabalho do cirurgião plástico quando o ouviu numa entrevista à BBC a falar sobre Katie Piper, uma jovem modelo de 23 anos que Mohammad tratou em Londres e que, mais tarde, participou no documento «My Beautiful Face» (A minha cara bonita).
“Foi agredida com ácido no rosto em Londres. Eu era o cirurgião plástico de serviço no hospital nesse dia. Foi horrível, senti-me zangado, assustado, preocupado e tudo o que alguém possa imaginar”, recorda Mohammad. “Envolvi-me com o caso dela de uma forma muito intensa desde o primeiro dia. Cuidei da sua cara derretida e fiz todo um trabalho reconstrutivo pioneiro no mundo”.
Até 2008, o médico não tinha noção da dimensão que estes ataques tinham no seu país de origem. Acordou para o problema quando fez a primeira cirurgia em Karachi, em articulação com a associação paquistanesa «Acid Survivors Foundation», que estima em 150/ano o número de mulheres vítimas deste tipo de agressão naquele país.
Depois de Londres e Karachi, Moahammad operou vítimas na Índia, no Bangladesh, Cambodja, México, Nepal e Vietname. Vai a convite de organizações não governamentais. “Todos os casos são difíceis. Todas as histórias são horríveis”, salienta Jawad, que procura criar uma fundação aproveitando a visibilidade que o Óscar deu ao documentário.
Mohammad leva mais de 11 mil horas a tentar reconstituir rostos desfigurados. Mais do que uma jornada de cosmética e reconstrução, a campanha do médico paquistanês é um acto de amor invulgar.

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