segunda-feira, 11 de março de 2013

Contrapeso (crónica publicada no Novo Jornal*)

Antes de partir para Cuba para ser submetido a nova operação, Hugo Chávez pediu aos venezuelanos para não deixarem morrer a Revolução. El Comandante, como gostava de ser chamado, sabia que ia enfrentar uma batalha de morte, da qual poderia não regressar. Sabia-o e o facto de ter nomeado um sucessor era o mais explícito indício do que ia enfrentar. Apesar disso agarrou-se à vida, com tenacidade; enfrentou as complicações da quarta intervenção cirúrgica crente num milagre e, no derradeiro momento, como atestam as palavras do chefe da sua guarda presidencial, pediu para ser salvo. Não foi. Não podia ser salvo.
A doença de Chávez levou a melhor e o destino da revolução que iniciou, em 1992, quando surgiu a liderar uma tentativa de golpe de estado contra o então Presidente, Carlos Andrés Pérez, está agora envolto em incerteza. Mesmo que a eleição do sucessor que nomeou esteja quase garantida.
Diga-se o que se disser, escreva-se o que se escrever sobre o Presidente que governou a Venezuela nos últimos 14 anos, um facto é incontestável: Hugo Chávez governou para uma maioria que nunca tinha sido representada e reduziu para metade a pobreza no país. Facto que tem respaldo num relatório da Comissão Económica para a América Latina e Caribe (CEPAL): a pobreza no país passou de 48,6% para 27,8%, entre 2002 e 2010.
Mas Chávez fez mais. Colocou a América Latina no mapa político mundial, como destacou o ex-Presidente do Brasil, Lula da Silva, e serviu de contrapeso a um mundo ditado, cada vez mais, pelas lógicas do capitalismo e que apresenta os resultados económicos como única bandeira a hastear.
“Ele trouxe novos ares. Ele realmente achava que estava a liderar uma revolução. Todas as instituições do Estado, antes de Chávez, tinham entrado em colapso. Não acho que ele se considerasse um governante autoritário. Ele via-se como um homem que introduziu reformas democráticas num país em que as velhas instituições haviam fracassado”, afirmou o seu biógrafo, o historiador e jornalista britânico Richard Gott.
Num mundo de falência da política e sua substituição pela economia não é difícil perceber o alcance do retrato traçado por Gott. Só um líder forte, capaz de enfrentar tudo e todos conseguia levar por diante uma revolução que baptizou como Bolivariana, em homenagem ao herói das independências da América Latina Simón Bolívar.
Quando o filho de dois professores primários de Sabatena chegou ao poder, em 1999, sete anos depois de ser preso por liderar o golpe militar, encontrou um país cada vez mais pobre, quando as companhias estrangeiras que exploravam as suas riquezas estavam cada vez mais ricas; encontrou um sistema político minado pela corrupção e um povo cada vez empobrecido e sem esperança.
Em nome da Revolução, Chávez jurou sobre a “Constituição moribunda” fazer cumprir e impulsionar “as transformações democráticas necessárias para que a República Nova tenha uma Carta Magna adequada aos tempos” e cumpriu. Pôs termo às “oligarquias predatórias”, expulsou companhias estrangeiras e nacionalizou outras, recuperou o poder sobre o petróleo e usou-o para construir escolas, hospitais e infraestruturas e para criar programas sociais e alargou a participação política a camadas sociais que nunca antes tinham sido ouvidas. Os seus críticos argumentam contra ele que a sua política social visava perpetuá-lo no poder, que foi feita à custa de sérios prejuízos à economia do país e que abusou do poder para esmagar os opositores. Ambas as realidades têm onde se escorar, mas o que sobressai é que Chávez usou as riquezas do seu país a favor de todos, sobretudo dos que mais precisam, o objectivo supremo da política.
“A dependência da Venezuela da venda de petróleo continua a mesma do período pré-Chávez. Não houve diversificação”, assinala o historiador Rafael Araújo, destacando como maior legado os “programas sociais”, que não se ficaram pelo país. Chávez estendeu a mão a Cuba e, com os seus recursos petrolíferos, ajudou a economia cubana a recuperar da crise aguda na qual caiu após o fim da União Soviética. Comprou serviços ao país dos irmãos Castro – cerca de 40 mil médicos cubanos sustentam o programa social venezuelano - e forneceu 100 barris de petróleo por dia em condições preferenciais. Cuba será, por isso, um dos países que mais tem em jogo com a morte de Chávez e um dos que mais receia a instabilidade política no país natal de Bolívar.
À parte os epítetos de “ditador”, obstinado e provocador, Chávez tinha o poder de ser contrapeso, num mundo cada vez mais alinhado e onde democracias agem como ditaduras. A sua ausência vai ser notada.

*Publicada no dia 8 de Março de 2013

1 comentário:

  1. «Cuba será, por isso, um dos países que mais tem em jogo com a morte de Chávez e um dos que mais receia a instabilidade política no país natal de Bolívar.» assim como, por razões opostas os EUA e as forças do capital apostam no regresso ao "antes de Chavez".

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