A doença de Chávez levou a melhor e o destino da revolução que iniciou, em 1992, quando surgiu a liderar uma tentativa de golpe de estado contra o então Presidente, Carlos Andrés Pérez, está agora envolto em incerteza. Mesmo que a eleição do sucessor que nomeou esteja quase garantida.
Diga-se o que se disser, escreva-se o que se escrever sobre o Presidente que governou a Venezuela nos últimos 14 anos, um facto é incontestável: Hugo Chávez governou para uma maioria que nunca tinha sido representada e reduziu para metade a pobreza no país. Facto que tem respaldo num relatório da Comissão Económica para a América Latina e Caribe (CEPAL): a pobreza no país passou de 48,6% para 27,8%, entre 2002 e 2010.
Mas Chávez fez mais. Colocou a América Latina no mapa político mundial, como destacou o ex-Presidente do Brasil, Lula da Silva, e serviu de contrapeso a um mundo ditado, cada vez mais, pelas lógicas do capitalismo e que apresenta os resultados económicos como única bandeira a hastear.
“Ele trouxe novos ares. Ele realmente achava que estava a liderar uma revolução. Todas as instituições do Estado, antes de Chávez, tinham entrado em colapso. Não acho que ele se considerasse um governante autoritário. Ele via-se como um homem que introduziu reformas democráticas num país em que as velhas instituições haviam fracassado”, afirmou o seu biógrafo, o historiador e jornalista britânico Richard Gott.
Num mundo de falência da política e sua substituição pela economia não é difícil perceber o alcance do retrato traçado por Gott. Só um líder forte, capaz de enfrentar tudo e todos conseguia levar por diante uma revolução que baptizou como Bolivariana, em homenagem ao herói das independências da América Latina Simón Bolívar.
Quando o filho de dois professores primários de Sabatena chegou ao poder, em 1999, sete anos depois de ser preso por liderar o golpe militar, encontrou um país cada vez mais pobre, quando as companhias estrangeiras que exploravam as suas riquezas estavam cada vez mais ricas; encontrou um sistema político minado pela corrupção e um povo cada vez empobrecido e sem esperança.
Em nome da Revolução, Chávez jurou sobre a “Constituição moribunda” fazer cumprir e impulsionar “as transformações democráticas necessárias para que a República Nova tenha uma Carta Magna adequada aos tempos” e cumpriu. Pôs termo às “oligarquias predatórias”, expulsou companhias estrangeiras e nacionalizou outras, recuperou o poder sobre o petróleo e usou-o para construir escolas, hospitais e infraestruturas e para criar programas sociais e alargou a participação política a camadas sociais que nunca antes tinham sido ouvidas. Os seus críticos argumentam contra ele que a sua política social visava perpetuá-lo no poder, que foi feita à custa de sérios prejuízos à economia do país e que abusou do poder para esmagar os opositores. Ambas as realidades têm onde se escorar, mas o que sobressai é que Chávez usou as riquezas do seu país a favor de todos, sobretudo dos que mais precisam, o objectivo supremo da política.
“A dependência da Venezuela da venda de petróleo continua a mesma do período pré-Chávez. Não houve diversificação”, assinala o historiador Rafael Araújo, destacando como maior legado os “programas sociais”, que não se ficaram pelo país. Chávez estendeu a mão a Cuba e, com os seus recursos petrolíferos, ajudou a economia cubana a recuperar da crise aguda na qual caiu após o fim da União Soviética. Comprou serviços ao país dos irmãos Castro – cerca de 40 mil médicos cubanos sustentam o programa social venezuelano - e forneceu 100 barris de petróleo por dia em condições preferenciais. Cuba será, por isso, um dos países que mais tem em jogo com a morte de Chávez e um dos que mais receia a instabilidade política no país natal de Bolívar.
À parte os epítetos de “ditador”, obstinado e provocador, Chávez tinha o poder de ser contrapeso, num mundo cada vez mais alinhado e onde democracias agem como ditaduras. A sua ausência vai ser notada.
*Publicada no dia 8 de Março de 2013
«Cuba será, por isso, um dos países que mais tem em jogo com a morte de Chávez e um dos que mais receia a instabilidade política no país natal de Bolívar.» assim como, por razões opostas os EUA e as forças do capital apostam no regresso ao "antes de Chavez".
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