segunda-feira, 25 de março de 2013

Tiro no coração da UE (crónica publicada no Novo Jornal *)

A União Europeia perdeu o pudor. Não interessa saber de quem foi a ideia, muito menos o que pretendem ao “abrir esta caixa de Pandora”. Mas, ao concordarem com ela, todas as instituições que assinaram a proposta de resgate do Chipre deixaram claro que não há regras, não há princípios, nem obstáculos na forma como a Europa é gerida.  
No sábado os europeus acordaram com um grande abalo. A notícia de que os ministros das Finanças da União Europeia, o Eurogrupo, impunham um imposto sobre os depósitos para resgatar o Chipre ultrapassou aquilo que era imaginável. A UE já não se ficava pelas imposições tradicionais aos estados, como a diminuição da despesa pública por via dos despedimentos, cortes nos subsídios de férias e de Natal e diminuição de ordenados, já recomendava a ida aos bolsos dos cidadãos, nacionais ou não, com depósitos no país resgatado.
Após cinco anos a ouvirem apelos à poupança, como forma de tapar o buraco financeiro escavado pela especulação financeira, os cipriotas descobriram da forma mais cruel que, afinal, iam ser penalizados por acatarem aquele que era até agora um conselho sábio. As suas poupanças não estavam a salvo do Estado que, além de hipotecar o seu futuro com políticas despesistas, ameaçava agora sugar o que tinham amealhado.
Para estabelecer uma analogia com um ditado popular, é caso para dizer que o capitalismo tem lógicas que a própria lógica desconhece. Ou, como dizia o caricaturista brasileiro Millôr Fernandes, a economia compreende todas as actividades, mas nenhuma actividade compreende a economia”.
O rolo compressor conduzido pela UE trucida, não apenas os cidadãos e os seus direitos, mas também a credibilidade dos bancos. Para além de comprometer a imagem de instituições seguras para as poupanças dos cidadãos, este caso é um tiro de obus no sigilo bancário, estilhaçando-o. É que o Eurogrupo sabe perfeitamente quanto dinheiro há nos bancos cipriotas e, por isso, fez finca-pé nas taxas a aplicar – 6,75% nos depósitos inferiores a 100 mil euros e 9,9% nos superiores - porque isso comprometia os 5 mil e 800 milhões de euros que se previa arrecadar com este “golpe”.
A aplicação do imposto foi rejeitada pelo Parlamento cipriota; o governo também rejeitou a condição imposta para a assistência ao país e apresentou um plano alternativo.
Nos outros países da zona Euro os alarmes soaram com esta proposta que põe em causa a confiança no sistema e pode dar início a uma depressão na economia europeia, porque se está a fazer precisamente o contrário daquilo que Milton Friedman e Anna Scwartz indicaram como solução para a Grande Depressão norte-americana, como assinala o bloguista Tim Worstall, na revista Forbes.
O especialista em economia britânico lembrou que, em 1929, se estancou a corrida aos bancos com a garantia de que o dinheiro dos depositantes estaria seguro. Ora, no Chipre, “acabaram com a garantia dos depósitos. Portanto, acabaram com a defesa contra a corrida aos bancos e as falências em cascata”, evidencia.
Mesmo que os líderes europeus venham dizer que a medida não será aplicada noutros países, a garantia não serve de nada, porque a porta da desconfiança foi aberta e, uma vez aberta, já ninguém a consegue fechar. Por isso, como bem resumiu, em título, o «The Economist» o trunfo que a União Europeia tirou da cartola para salvar o Chipre da bancarrota é “Desleal, míope e autodestrutivo”.
A revista britânica nota que o quinto resgate da zona Euro “reaviva o risco de contágio” e põe em causa a equidade, porque “não há qualquer imperativo moral para taxar as viúvas cipriotas e deixar os detentores de obrigações bancárias intocados, como parece ser o caso”.
Nem a falta de descanso sugerida por Stephen Fidler, no Wall Street Journal, ao dizer que estes acordos são “geralmente conseguidos no último minuto por ministros privados de sono”, justifica o que se passou esta semana.
O plano de resgate desenhado para o Chipre é, ainda, um tiro no coração da UE, que fere de morte os princípios da unidade e solidariedade que estiveram na base da criação do projecto europeu.
O tiro é dado numa altura em que a Alemanha bate dois recordes: a taxa de emprego no país de Merkel subiu para o nível mais alto desde a reunificação e as exportações atingiram, em Dezembro de 2012, um recorde histórico.
É caso para questionar à custa de quem e do quê?

*Publicada no dia 22 de Março de 2013

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