- O teu irmão Galal. Dormir durante sete anos! Que artista!
- Achas que ele é artista?
- Claro. É o que eu tento explicar aos imbecis cá do bairro que vos tomam por uns mandriões.
- Mas isso é verdade. Por que razão contradizê-los?
- São uns burros, digo-te eu. Não compreendem a beleza que há nessa preguiça. Vocês são uma família extraordinária. E tu, Rafik, és o único homem inteligente que há no mundo.
Este blogue contém as crónicas publicadas pela autora no semanário angolano «Novo Jornal».
segunda-feira, 23 de agosto de 2010
quarta-feira, 18 de agosto de 2010
Orchestra Baobab
É uma orquestra com toda a propriedade. Baobab, de seu nome. É do Senegal e espalha sons e sopros pelo mundo. Um espanto.
sábado, 14 de agosto de 2010
Ruy Duarte de Carvalho - 1941/2010
A gravação do rosto
Na superfície branca do deserto
na atmosfera ocre das distâncias
no verde breve da chuva de Novembro
deixei gravado meu rosto
minha mão
minha vontade e meu esperma;
prendi aos montes os gestos da entrega
cumpri as trajectórias do encontro
gravei nas águas a fúria da conquista
da devolução do amor.
Os calcários e os granitos desta terra
foram por mim pesados.
Dei-lhes afagos
leves olhares
insónias longas
impacientes esperas.
O zinco dos telhados cobriu-me solidões
e esperanças que tu sabes.
Esperei por ti
Bordei-te flores nos canteiros do céu
abri-te valas, semeei-te milhos
pari colheitas de searas vãs
abri os dedos, semeei calhaus.
Espremi a terra e fiz-lhe água nascente
povoei prados de criaturas doces
ergui torres, girassóis gigantes
dei vida e morte, vi nascer, morrer.
Aqui reinei, julguei, plantei videiras
caminhos, grutas de vestígios
colhi olhares de animais bravios
deixei aos dedos aladas liberdades.
Empilhei madrugadas de atenção
disparei molas, carabinas frias
de traição ao vento.
Combati silêncios, instalei trincheiras
de perdão. Recebi recados de mongólias vastas
acendi fogueiras
para sufocar o medo.
Aqui sonhei europas, verdes ásias
cidades de cristais, antárdidas caiadas
daqui refiz a lua de astronautas;
contei estrelas colhi algumas
para dormir com elas.
Aqui ejaculei delírios verdes
que a madrugada insinua e vence.
Aqui colhi primícias de virgens escandinavas
e coroei outeiros e o meu sexo
com as suas tranças de ouro.
Saltei de monte em monte
e naveguei o ventre do deserto
assinalei o umbigo do mundo e plantei setas
apontando o sexo fundo da terra.
Beijei a carne universal e húmida de uma fêmea em cio,
menstruada.
Aqui me dei, aqui me fiz
desfiz, refiz amores.
Aqui me embebedei e vomitei o espanto.
Daqui abalo hoje, parido para o nada
apalpo a água
afago um bicho
ordeno qualquer coisa
e vou.
(Memória de tanta guerra)
sexta-feira, 13 de agosto de 2010
Dias difíceis
A imprensa de Angola vive dias difíceis.
A edição de 7 de Agosto de «A Capital», um dos três semanários dados como vendidos em Maio, alegadamente ao mesmo grupo, desapareceu da gráfica e não chegou às bancas.
A directora administrativa e financeira da publicação, segundo o Novo Jornal, fecha-se em copas.
Não explica o que aconteceu.
Os jornalistas resguardam-se no silêncio.
E a versão conhecida dos factos, aquela que foi noticiada pela Voz da América, revela censura.
Os novos proprietários do título, pessoas próximas do gabinete do Presidente da República, não terão gostado do editorial.
A coluna questionava o preço das casas sociais (60 mil dólares), anunciado pelo Presidente da República, José Eduardo dos Santos, uma semana antes.
O argumento era que o cidadão comum, perante a exiguidade do salário, não tinha como pagar as casas de um projecto lançado, após as legislativas, com o objectivo de dar um tecto a todos os angolanos.
Os novos donos do semanário tentaram demover o articulista, instando-o a reescrever o artigo.
Em vão.
O jornal foi impresso com a versão original.
Mas os 3.500 exemplares de «A Capital» não chegaram a sair da gráfica.
Desapareceram antes de ir para a mão dos ardinas.
E este é um facto indesmentível.
Como também o é a perseguição que a polícia de Luanda move contra os jornais privados, apreendendo-os na via pública, o que "configura um atentado à liberdade de imprensa nos termos do artigo 76, da Lei de Imprensa", como denunciou o Conselho Nacional de Comunicação Social, na sua última deliberação.
Contra os jornais públicos não se conhecem semelhantes práticas.
E assim vão os dias na imprensa angolana...
A edição de 7 de Agosto de «A Capital», um dos três semanários dados como vendidos em Maio, alegadamente ao mesmo grupo, desapareceu da gráfica e não chegou às bancas.
A directora administrativa e financeira da publicação, segundo o Novo Jornal, fecha-se em copas.
Não explica o que aconteceu.
Os jornalistas resguardam-se no silêncio.
E a versão conhecida dos factos, aquela que foi noticiada pela Voz da América, revela censura.
Os novos proprietários do título, pessoas próximas do gabinete do Presidente da República, não terão gostado do editorial.
A coluna questionava o preço das casas sociais (60 mil dólares), anunciado pelo Presidente da República, José Eduardo dos Santos, uma semana antes.
O argumento era que o cidadão comum, perante a exiguidade do salário, não tinha como pagar as casas de um projecto lançado, após as legislativas, com o objectivo de dar um tecto a todos os angolanos.
Os novos donos do semanário tentaram demover o articulista, instando-o a reescrever o artigo.
Em vão.
O jornal foi impresso com a versão original.
Mas os 3.500 exemplares de «A Capital» não chegaram a sair da gráfica.
Desapareceram antes de ir para a mão dos ardinas.
E este é um facto indesmentível.
Como também o é a perseguição que a polícia de Luanda move contra os jornais privados, apreendendo-os na via pública, o que "configura um atentado à liberdade de imprensa nos termos do artigo 76, da Lei de Imprensa", como denunciou o Conselho Nacional de Comunicação Social, na sua última deliberação.
Contra os jornais públicos não se conhecem semelhantes práticas.
E assim vão os dias na imprensa angolana...
Para lá da ficção (crónica publicada no Novo Jornal)
É um lugar comum dizer que a realidade supera a ficção. Mas há histórias que ultrapassam de tal forma aquilo que julgávamos possível que justificam a repetição do axioma.
terça-feira, 10 de agosto de 2010
Um exemplo de Homem e de religioso
Calou-se ontem, vítima de AVC, uma das vozes mais ouvidas em Angola.
O frade franciscano ergueu-se sempre que foi preciso e, com a sua postura dessassombrada, tornou-se numa das vozes mais ouvidas em Angola, usando as suas características de líder, a favor dos mais necessitados.
Em 2008, foi eleito pela redacção do Novo Jornal como «figura da sociedade civil do ano» por se ter feito porta-voz na "denúncia implacável da corrupção, da violência doméstica, da feitiçaria, da violação dos direitos humanos e em defesa da liberdade de imprensa, do respeito pelo género e do direito à diferença".
E fê-lo sempre sem perder a humildade, sem falsos moralismos, como Homem e religioso do seu tempo, no tempo exacto.
O frei João Domingos foi um exemplo de pastor que está sempre atento aos perigos que ameaçam o seu rebanho. Nunca se colocou à frente, nem ao lado dele, mas no meio. Entre os que dele necessitavam.
Vai fazer falta a Angola. Muita.
segunda-feira, 9 de agosto de 2010
Complexo da cor
O complexo da cor em Angola, como noutros países, não se resolve por decreto. Ultrapassa-se com educação. Aos políticos cabe dizê-lo, como já fez o rapper angolano Yannick Afroman. Mas há que ouvi-lo bem e até ao fim para que a revolução mental se faça. Porque há muito quem interprete mal a mensagem do compositor mais político de Angola.
Dicionário abreviado do
mwangolé (angolano) - português
Banda - rua, bairro
Bumbo - homem negro
Pula - homem branco, proveniente de Portugal (em calão)
Mundele - homem branco (em quimbundo)
Bué - muito
Laton - mulato
Latona - mulata
Matumbo - boçal, rafeiro, ignorante
domingo, 8 de agosto de 2010
Nomes
sábado, 7 de agosto de 2010
Informação a cores
O consumo de álcool em Angola é um assunto sério e merecedor de atenção.
Bebe-se cada vez mais e cada vez mais cedo.
Homens, mulheres, jovens e até crianças entregam-se à bebida, sem freios.
E há quem, por ganância, ajude a manter o gargalo da garrafa para baixo.
Como se não bastassem as festas organizadas pelas marcas de bebidas alcoólicas, que promovem o consumo entre os mais novos, associando o glamour das estrelas musicas ao álcool.
Há quem encontre na fermentação caseira um negócio de alto rendimento. Com baixos custos de produção e rentabilidade máxima, como bem retrata esta reportagem da TV Zimbo.
O canal privado surgiu há um ano e revolucionou o panorama televisivo, que até aí contava com dois canais públicos.
A TPA1, um canal cinzento e com uma informação parcial.
E a TPA2 que, sob gestão privada, tem uma programação cor-de-rosa, limitada a programas light’s e sem conteúdo informativo.
Para além de uma informação a cores, a TV Zimbo teve o grande mérito de colocar um espelho sobre Angola.
Falta cuidar da restante programação.
E retirar da antena os programas que achincalham as pessoas que, supostamente, vão à procura de justiça. Porque essa não é feita nos ecrãs de televisão, muito menos com os critérios utilizados. Ou falta deles.
sexta-feira, 6 de agosto de 2010
Ciência, pois! (crónica publicada no Novo Jornal)
A ciência é uma das maravilhas do mundo e, nos últimos anos, tem avançado a um ritmo alucinante fazendo da ficção científica um conceito obsoleto.
Há, no entanto, domínios onde a ciência é de difícil penetração e aquilo que ela proporciona gerador de desordem. Resistência. Condenação.
Há, no entanto, domínios onde a ciência é de difícil penetração e aquilo que ela proporciona gerador de desordem. Resistência. Condenação.
terça-feira, 3 de agosto de 2010
Mário Bettencourt Resendes (1952-2010)
Foto: Diário de Notícias
De tudo o que se disse e escreveu sobre Mário Bettencourt Resendes destaco uma frase do músico Pedro Abrunhosa, com um sublinhado meu: "Era uma pessoa com uma cultura vastíssima e impermeável às influências, características que hoje escapam aos jornalistas".
segunda-feira, 2 de agosto de 2010
Uma Affrikkanitha jazzy
Afrikkanitha é um nome do jazz angolano e uma das promessas do afro jazz.
Aos 33 anos, a cantora e compositora surge com um álbum, produzido pelo marido, Simmons Massini, onde ultrapassa fronteiras musicais e linguísticas.
Afrikkanitha mistura em «Weza» o soul, com o jazz, o rock e o funk, cantado em inglês, francês, português e em dialectos africanos, como o bantu, mas o registo nunca abandona o jazz, o seu território natural.
Sobre ela, o crítico de jazz angolano, Jerónimo Belo escreveu: “Afrikkanitha é a mais jazzy cantora angolana, mulher de grande futuro. Atente-se na qualidade e inteligência da voz, a ciência com que aborda os versos, o notável sentido do tempo, a competência de quem sabe que a paixão não basta para fazer uma boa profissional. E ainda um evidente bom gosto na escolha do reportório e dos companheiros musicais. Esta mulher, a Afrikkanitha, uma das coisas que melhor sabe fazer é, certamente, cantar”.
Basta ouvi-la para perceber o que Jerónimo Belo quis dizer.
Quem as controla?
Foto: Afonso Francisco/Novo Jornal
Em Luanda, as motos não se submetem ao Código de Estrada.
Não obedecem a regras.
Só à vontade de quem as conduz.
E parece que vivem num mundo à parte.
É vê-las a circular no asfalto,
nos passeios,
e nos locais destinados exclusivamente a peões.
Elas passam sinais vermelhos,
nas barbas da polícia, que nem pestaneja à sua passagem.
Andam em contramão, até nas vias de sentido único,
e surgem de qualquer lado, mesmo dos mais inusitados.
Circulam com mais do que um passageiro - às vezes dois, às vezes mais - sem qualquer acessório de segurança, como o capacete que, segundo o novo Código de Estrada, é obrigatório.
Acessório, aliás, que para os motociclistas não passa de um adereço, sujeito a modas, como a que agora está em voga: o capacete de cavaleiro.
É um adereço bonito, mas numa moto não serve para nada, para além de segurar o penteado.
Em Luanda, as motos são mais perigosas e letais do que qualquer outro veículo que com elas disputa o asfalto.
E matam muitos jovens.
Porque não há quem as controle.
Só não percebo porquê?
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