sexta-feira, 13 de agosto de 2010

Para lá da ficção (crónica publicada no Novo Jornal)

É um lugar comum dizer que a realidade supera a ficção. Mas há histórias que ultrapassam de tal forma aquilo que julgávamos possível que justificam a repetição do axioma.
O caso de Vicki Rohring é um deles. Esta mãe norte-americana “perdeu” os filhos há 34 anos, um mês depois de se ter divorciado.
Após a separação, o marido levou os dois filhos do casal, Karen, de 7 anos, e Scott, de 5 anos, para viver um mês com ele.
No dia anterior aos filhos lhe serem devolvidos e já com o divórcio confirmado, Vicki recebe um telefonema de um homem a dizer que as crianças tinham morrido num acidente de automóvel e o marido estava muito mal. A jovem mãe tentou confirmar a notícia. Ligou para o já ex-marido, mas este mudara de cidade, e a polícia mostrou-se pouco interessada em ajudá-la.
Mesmo sem ver os corpos, Vicki teve de aceitar a morte dos filhos e, desde 1976, viveu o vazio da sua ausência. O luto terminou há um mês, quando recebeu uma chamada de uma mulher contratada pelos filhos para descobrir o seu paradeiro.
Durante 34 anos, Karen e Scott viveram a tristeza de serem filhos enjeitados. O pai contou-lhes sempre que a mãe não queria saber deles e abandonou-os. Mas as incongruências na história do progenitor levou os filhos a seguirem o rasto da mãe. Encontraram-na graças a uma investigadora e à internet.
Também com um enredo rico, mas mais próximo de um policial de Edgar Allan Poe, está a história de Rosalina Ribeiro, a jovem que casou cedo com um herdeiro rico, 30 anos mais velho, mas de quem não se conseguiu fazer herdeira e que, antes de se apossar de outro legado, do homem que foi seu amante – ou ela dele - durante três décadas, morreu assassinada a tiro.
A trama, que chegou à justiça portuguesa, começa no momento em que Rosalina se cruza com o empresário milionário Lúcio Tomé Feteira, amigo do seu primeiro marido, de quem se divorciou por pressão da família deste que persistia na ideia que a jovem só estava interessada em deitar mão à fortuna do viúvo.
De Lúcio - um mulherengo inveterado - Rosalina torna-se secretária e do escritório para a alcova vai um passo, curto. Os amantes comungam mesa e cama, durante 30 anos, com o conhecimento da legítima esposa de Lúcio, Adelaide, que estava acostumada à fogosidade do marido. Tanto que acolheu no seu seio Olímpia Feteira de Menezes, filha de Lúcio com outra mulher e que acabaria por “ocupar” a ausência, por morte, do único filho do casal.
Mas quis o destino que Lúcio sucumbisse, com 98 anos, na casa da amante, gerando uma disputa de morte, que se arrasta há uma década, em torno da herança de 35 milhões de euros. Primeiro pelas duas mulheres, filha e amante. Mas com a morte desta, há um ano, no Brasil – para onde Lúcio expandira o seu império – sobra Adelaide que acusa agora um advogado conhecido, ex-ministro e ex-deputado da Nação, de ter desviado parte da herança para uma conta pessoal.
À espera que a contenda se resolva está a junta de freguesia de Vieira de Leiria, donde Lúcio era natural, que foi incumbida, por testamento, de constituir uma fundação e para a qual o empresário destinou 80 por cento do seu legado.
Complexo? Sim, mas com muito potencial literário.
Menos sinuosa, embora digna de figurar num romance de Ernst Hemingway pela paixão do escritor norte-americano pelas touradas, é a estória de Christian Hernandez. O matador mexicano, de 22 anos, entrou na arena disposto à lide, perante uma multidão exultante, mas quando deu de cara com o toiro percebeu que, afinal, aquilo não era para ele. Vai daí, virou costas ao animal e pulou a cerca, pondo pernas a caminho. Não foi longe. O jovem aspirante a toureiro foi aprisionado, durante horas, e condenado ao pagamento de uma multa por incumprimento do contrato.
Acabou por confessar a falta de habilidade com um lacónico: “Não tive tomates”.
Não foi por falta deles que, noutro tipo de desafio, dois homens levaram a competição ao limite da morte.
Dois finalistas do Campeonato Mundial de Sauna na Finlândia submeteram-se a temperaturas de 110 graus. Aguentaram seis minutos. Um, de nacionalidade russa, teve um colapso e morreu no local; o outro, um finlandês, pentacampeão mundial da modalidade, foi internado.
A competição, que apesar de existir desde 1999 não lembra ao diabo, foi suspensa. Mas provou que aguentar temperaturas superiores a 100 graus não é para todos. Para não dizer ninguém. Porque se a realidade ultrapassa a ficção, há coisas que só na ficção são possíveis.

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