sexta-feira, 12 de agosto de 2011

Liberdades (crónica publicada no Novo Jornal)

Ao longo da sua vida, Nancy Wake acumulou superlativos. Durante a segunda guerra mundial, foi a pessoa mais procurada pela Gestapo, a polícia secreta nazi; foi uma das mais eficazes sabotadoras dos aliados, em França, e uma das mais arrojadas espias da resistência.

Após a queda do regime de Hitler e o fim da guerra, foi uma das agentes secretas da resistência francesa a receber mais condecorações pelas suas acções - em França, recebeu a maior distinção militar do país, a Legião da Honra, e três medalhas da Cruz de Guerra e Resistência, no Reino Unido foi premiada com a medalha George e nos Estados Unidos, ganhou a medalha da Liberdade; tornou-se a mulher mais agraciada da Austrália e uma das espias mais referenciadas pelo seu papel na guerra, que lhe valeu a alcunha de «Rato branco», com que foi baptizada pela Gestapo pela forma como conseguiu iludir e escapar sempre à vigilância apertada dos alemães. Apesar de tudo isto o seu nome permanece desconhecido para a maioria das pessoas.
“Foi uma mulher dotada de coragem e qualidade excepcionais, que salvou a vida de centenas de pessoas ao lado das forças Aliadas e ajudou a colocar um fim à ocupação nazi em França”, evocou a primeira-ministra australiana, Julia Gillard, após a morte esta semana de Nancy, dias antes de completar 99 anos de idade.
Nascida em Wellington, na Nova Zelândia, em 1912, Nancy foi criada na Austrália, mas foi a França que os seus restos mortais voltaram. A viver numa casa de repouso para veteranos em Londres, desde que foi acometida de um ataque cardíaco, em 2003, o seu corpo foi cremado e as cinzas espalhadas em Montlucob, no centro de França. Foi nesta região que se tornou uma heroína, foi ali que protagonizou algumas das suas façanhas, que ajudaram a escapar à morte milhares de aliados e judeus.
“A liberdade é a única coisa pela qual vale a pena viver. Enquanto fazia este trabalho, costumava pensar que não me importava se morresse, porque sem liberdade viver é inútil”, afirmou, numa entrevista, citada pela BBC.
Foi a liberdade que a fez fugir de casa, aos 16 anos, e partir para Paris. Ali começou a trabalhar como jornalista e, em 1940, entra para a Resistência, ao lado do marido, o empresário Henri Fiocca, que foi torturado e morto pela Gestapo, três anos depois, quando se recusou a dizer onde se encontrava a mulher. Nancy estava em Londres, onde ingressara no serviço de operações especiais dos Aliados. E um ano depois, regressou a França, desconhecendo que o marido estava morto, para ajudar a planear o desembarque das forças aliadas, na Normandia, no que ficou conhecido como o dia D. Depois da guerra, regressou à Austrália, onde tentou várias vezes ser eleita para o Parlamento, sem sucesso. E mais tarde instalou-se em Inglaterra, onde casou com um oficial do Exército britânico, John Forward, em 1957.
O papel de Nancy foi importante no desfecho da segunda guerra mundial. Ela ajudou a minar os alicerces montados pelo inimigo nas inúmeras operações de sabotagem que realizou, mas os seus feitos continuam a ser ofuscados pelos homens, com mais direito a figurar nos anais. O papel delas continua a ser periférico, ainda que determinante; secundário, ainda que de primeiro plano. E muitas vezes são esquecidas. A não ser que a morte as apanhe e o seu nome volte a ser notícia.
Fartas de um papel secundário, as mulheres da Costa Rica vão organizar no próximo domingo a “Marcha das Putas”, um movimento internacional que pretende lutar contra a violência sexual.
A marcha foi convocada por várias activistas femininas e pretende ser também uma resposta às declarações do bispo Francisco Ulloa, que durante uma celebração católica afirmou que as mulheres deveriam vestir-se com “recato” e “pudor”.
“Nós somos donas da nossa vida. Ninguém deve dizer-nos como nos devemos vestir, aquilo que devemos pensar ou o que devemos pensar. Pelo contrário, é necessário ensinar aos homens que não devem violar, agredir e abusar”, diz o comunicado.
A primeira “Marcha das Putas” ocorreu em Abril, no Canadá, quando um polícia recomendou às mulheres que não se vestissem como “putas” para que não fossem vítimas de violência sexual.
Seguiram-se marchas no Reino Unido, Índia, México, Nicarágua e Honduras.
É agora a vez da Costa Rica, onde as mulheres se indignaram pelo atestado de inimputabilidade que o bispo Francisco Ulloa passou aos homens, coitados, que se vêm impelidos a agredir e violentar as mulheres, por causa da falta de “recato” e “pudor” delas.

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