domingo, 21 de agosto de 2011

Mimar os ricos (crónica publicada no Novo Jornal)

Quando a esmola é grande o pobre desconfia. Quando o privilégio é enorme os ricos não estranham.
Ou, pelo menos, não estranhavam.

Esta semana, o dono da terceira maior fortuna do mundo lançou um apelo aos políticos para que acabem com os privilégios aos ricos, pondo em causa um dos principais axiomas do capitalismo.
“Parem de mimar os super-ricos” é o título do artigo que Warren E. Buffett publicou no «The New York Times, onde pede aos políticos que acabem com as isenções fiscais e aumentem os impostos aos milionários.
“Enquanto os pobres e a classe média lutam por nós no Afeganistão e a maioria dos norte-americanos luta para pagar as despesas, nós, mega-ricos, continuamos com as nossas extraordinárias isenções fiscais”, argumentou Buffett.
O presidente da Berkshire Hathaway, de 80 anos, lembrou que ao longo do debate no Congresso norte-americano sobre o aumento do limite da dívida pública, os líderes políticos pediram um “sacrifício partilhado”, mas o que se verifica é que as classes mais ricas não terão de o assumir.
O Partido Democrata e o Presidente Barack Obama pretendiam aumentar os impostos sobre os rendimentos mais altos e as empresas mais lucrativas, mas viram-se obrigados a recuar porque a intenção esbarrou nos republicanos, pondo os Estados Unidos à beira da falência a 2 de Agosto.
Esta cedência levou Warren Buffett a manifestar a sua indignação publicamente, acabando por, com o seu apelo, dar uma ajuda à intenção do Presidente Obama e dos democratas.
“Alguns de nós somos gestores de fundos de investimento e ganhamos milhões de dólares por dia, mas é-nos permitido classificar os ganhos como 'rendimentos de juros'”, sendo taxados com apenas 15 por cento, explicou Buffett.

“Verifiquei junto dos meus amigos milionários para saber que sacrifícios lhes foram pedidos, mas também eles ficaram intactos. No último ano, a minha conta fiscal foi de 6.938.744 dólares, apenas 17,4% dos meus rendimentos tributáveis, o que é uma percentagem menor do que a que foi paga pelas outras 20 pessoas do meu escritório. As suas taxas de impostos estavam entre 33% e 41%". Ou seja, foram tributados em mais do dobro, e com infinitamente menos recursos.
“Chegou a hora de o nosso governo ser sério sobre a partilha dos sacrifícios”, conclui o presidente da Berkshire Hathaway, notando que os seus amigos bilionários são “em geral pessoas muito decentes” e que “muitos deles não se importariam de pagar mais impostos, particularmente quando muitos dos seus compatriotas estão a sofrer”.
Neste ponto, eu e Buffett estamos completamente em desacordo. A história do capitalismo mostra um total desprezo das grandes fortunas pelas classes mais pobres, aqueles que os ajudam a enriquecer, o que constitui a principal armadilha do sistema.
No afã de engordarem, os donos das grandes fortunas aproveitam a crise para despedir e aumentar os lucros, travando a criação de empregos e o crescimento, indiferentes ao paradigma que eles próprios estão a criar, como advertiu, também esta semana, o economista norte-americano de origem turca, Nouriel Roubini, que se tornou uma das vozes mais ouvidas, quando no início do século profetizou a catástrofe para a economia mundial.
Num artigo no «Wall Street Journal», Roubini considera que os mercados “não estão a ajudar a crise”. Pelo contrário. “Os riscos deixaram-nos nervosos e as empresas acabam por não contratar pessoas, porque dizem que não há tanta procura, mas chegámos a um paradoxo. Se não se contratam trabalhadores, não há verbas dos salários, não há confiança dos consumidores e não há consumo, logo não há a tal procura”.
Nem a crise financeira mundial parece ter servido de lição aos governantes do mundo inteiro. E o erro persiste, como sublinha o economista. “Nos últimos dois ou três anos estivemos ainda pior, porque tivemos uma redistribuição de rendimentos do trabalho para o capital, dos salários para os lucros e os desequilíbrios entre rendimentos e riqueza aumentaram. Karl Marx estava certo, em algum ponto, o capitalismo pode destruir-se a si próprio, porque não se pode continuar a transferir rendimentos dos salários para os lucros sem ter menos capacidade de trabalho e uma menor procura”.
Só assim se compreende que em todo o mundo as maiores fortunas tenham crescido. Em Portugal, país que teve de ser salvo da insolvência, os homens mais ricos aumentaram a sua fortuna em 17,8 por cento, em 2011. E os pobres estão a ser cada vez mais espremidos.

Sem comentários:

Enviar um comentário