quinta-feira, 30 de agosto de 2012

Em nome de Veronica (crónica publicada no Novo Jornal)

“Não tenhas medo”. A frase no memorial de Veronica Guerin resume o que foi a vida da jornalista que, em 1996, morreu às mãos dos barões da droga na Irlanda.
Veronica foi assassinada com seis tiros, na estrada de Naas, nos arredores de Dublin, por dois jovens que a seguiam de mota. A repórter, que em Dezembro de 1995 ganhou o Prémio Internacional da Liberdade de Imprensa do Comité para a Protecção de Jornalistas, falava ao telemóvel com um colega do «Sunday Independent». Naquele instante ficou claro para a redacção do jornal o desfecho fatal, que todos antecipavam.
Há mais de um ano que a ameaça de morte pairava sobre Guerin, desde que fora baleada em casa. A arma encravou, sem que o seu carrasco conseguisse cumprir a sentença de morte. O tiro na perna abalou «Ronnie», como era tratada, mas não a demoveu. Continuou a escrever sobre os traficantes, usando os conhecimentos em contabilidade (a sua primeira profissão) para seguir o rasto ao dinheiro proveniente da droga. Várias figuras emergiam na sociedade irlandesa com grandes fortunas, sem que tivessem actividade que justificasse o filão e sem que as autoridades policiais e fiscais agissem.
“Se eu ficar intimidada, eles ganham e eles nunca vão ganhar”, afirmou Veronica, depois de ter sido espancada por John Gilligan (proprietário de um centro hípico) quando ela o confrontou, à porta de casa, sobre a proveniência da sua fortuna.
Veronica foi baleada, esmurrada e pontapeada, no espaço de poucos meses; recebeu ameaças de morte que a visavam a ela e ao filho, menor; sofreu tentativas de suborno para largar a investigação sobre o submundo da droga, onde a sua principal fonte era um criminoso condenado, John Traynor, que viria a ser o seu carrasco.
A mando de Gilligan, seu chefe, Traynor organizou o atentado contra Veronica, no dia em que ela anunciou a publicação de uma história sobre o seu envolvimento no crime. Na noite de 25 de Junho de 1996, quatro membros do gangue de Gilligan – Charles Bowden, Brian Meehan, Peter Mitchell e Simas Ward – orquestraram o ataque, que seria consumado no dia seguinte.
Veronica saiu do Tribunal de Naas, após conhecer a sentença por uma multa de trânsito, e meteu-se no seu Opel vermelho. Parou no semáforo perto de Newlands Cross, sem se aperceber que estava a ser seguida por dois jovens de moto. Um deles partiu o vidro do carro e desferiu seis tiros. A luta de Guerin contra a criminalidade organizada chegava ao fim, mas a sua morte não foi em vão.
O assassinato de Veronica provocou tal onda de indignação que o presidente da Irlanda, Taoiseach John Bruton, classificou-a como um “atentado contra a democracia”.
Nos dias seguintes, milhares de irlandeses manifestaram-se nas ruas, exigindo medidas contra os traficantes. Uma semana após a morte, o parlamento irlandês, consciente do potencial das leis de execução fiscal como meio de impedir o tráfico e punir os criminosos, promulgou uma lei que permitia apreender todos os bens adquiridos com dinheiro cuja proveniência não fosse justificada. A aprovação da lei levou à formação do Criminal Assets Bureau, que, no espaço de pouco mais de um ano, limpou a Irlanda da criminalidade organizada.
Charles Bowden foi preso e confessou a sua ligação ao assassinato de Veronica. Após um acordo com o procurador-geral da Irlanda, concordou em transformar-se numa testemunha do Estado, denunciou o nome de todos os envolvidos e tornou-se na primeira pessoa na República da Irlanda a entrar no Programa de Protecção de Testemunhas.
A investigação sobre a morte de Veronica resultou em mais de 150 prisões e condenações, assim como na apreensão de grandes quantidades de droga e armas.
Nos 12 meses seguintes os crimes relacionados com drogas baixaram 15 por cento e os três homens envolvidos na morte de Veronica foram condenados a penas de prisão perpétua. Paul Traynor conseguiu fugir para Portugal, sendo detido em 2010, na Holanda. John Gilligan (o cabecilha) fugiu da Irlanda e refugiou-se em Amesterdão, na Holanda. Acabou por ser detido, um ano depois, no Reino Unido, quando tentava embarcar para a capital holandesa com uma mala cheia de dinheiro, sob acusação de lavagem de dinheiro. Depois de uma batalha legal de três anos, Gilligan foi extraditado para a Irlanda a 3 de Fevereiro de 2000, onde foi condenado a 28 anos de prisão.
Em 2000, Veronica Guerin foi nomeada pelo International Press Institute como um dos 50 heróis da liberdade de imprensa do mundo, nos últimos 50 anos.
Por ela, a Irlanda mostrou que é possível travar o negócio clandestino da droga, sem violência. Só com o recurso à lei.

4 comentários:

  1. Sou Yago, tenho 19 anos, sou brasileiro e estudo jornalismo em um estado no Centro do Brasil. Gosto muito do jornalismo estrangeiro e tenho, sempre que a vida acadêmica me permite, me enfiar a pesquisar sobre os nossos heróis. Conhecia Verônica Guiren, por meio do filme O Custo da Coragem. Me apaixonei imediatamente. E vivo atrás de informações. Adorei a sua postagem.

    Qualquer material sobre a jornalista, se puder, envia-me: yagosales1@gmail.com

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    1. Olá Yago. É bom que conheçamos as histórias dos heróis do jornalismo, porque, através deles, aprendemos a ser melhores jornalistas. É o caso de Verónica Guerin. Ela nunca se deixou intimidar. É certo que pagou um preço bem alto, mas a sua coragem e determinação mudaram o país e a corrupção que minava as suas instituições.

      Não tenho nenhum material reunido sobre ela, mas, fica prometido, o que conseguir mando-lhe.

      Abraço do outro lado do Atlântico e desejos de sucesso na sua vida académica e profissional

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  2. Vamos divulgar a história de vida e que transmite esperança. Na verdade, Veronica vive, e é semente de novas lutas.
    Obrigada pelo artigo.
    aqui no Brasil estamos carentes, são poucos os jornalistas que confiamos ultimamente.
    Lêda Telles

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  3. Olá Lêda.

    A história de Verónica, que já foi transposta para o cinema, merece ser divulgada, assim como a resposta da Irlanda ao seu assassinato. Fico contente, por isso, pelo facto de esta crónica ter chegado a mais uma pessoa, que irá contribuir para levar mais longe ainda o seu nome e o seu exemplo.

    Infelizmente, não é só no Brasil que os jornalistas enfrentam uma crise de credibilidade. Muitas vezes, estes momentos servem para exigir maior profissionalismo e rigor no exercício da profissão. Esperamos que assim seja!

    Obrigado.

    Isabel

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