sábado, 8 de maio de 2010

Chega de mutilações (crónica publicada no Novo Jornal)

O Senegal foi palco de um acontecimento importante na luta contra uma das práticas que mais vilipendeiam as mulheres. Deputados de 27 países africanos apelaram às Nações Unidas que adoptem, este ano, uma resolução universal que “proíba explicitamente” a mutilação genital feminina. O argumento não podia ser mais ajustado: trata-se de uma prática “contrária aos direitos humanos”, ponto final.
O apelo foi feito terça-feira, no âmbito de uma conferência sobre a excisão feminina(como também é conhecida) que decorreu em Dacar, Senegal. E tem um significado determinante uma vez que é assumido por parlamentares do continente mais flagelado por esta prática que todos os anos vitima três milhões de raparigas em todo o mundo.
Um dia antes, a ex-primeira ministra de Moçambique, Luísa Diogo, referiu-se à mutilação genital feminina como um dos desafios ainda por enfrentar, na II Conferência Ministerial de Responsáveis pela Igualdade de Género da Comunidade dos Países de Língua Portuguesa (CPLP), em Lisboa.
“Pensamos, muitas vezes, que alguns assuntos estão ultrapassados, mas continuam latentes, como a questão da violência contra a mulher e alguns problemas relacionados com a Mutilação Genital Feminina”, referiu Luísa Diogo, conselheira de Estado de Moçambique.
A mutilação genital feminina (MGF) é classificada como uma “prática em que uma parte ou a totalidade dos órgãos sexuais de mulheres e crianças são removidas”. Há várias formas de o fazer. Numas sociedades, é cortado o clítoris; noutras também os lábios vaginais; e em algumas pratica-se a forma mais grave, a chamada infibulação, e que consiste em coser os lábios vaginais ou o clítoris, deixando uma abertura pequena para a urina e a menstruação. Tudo em nome da segurança masculina. Retira-se o prazer sexual à mulher e com a privação da sexualidade elimina-se o risco de adultério. Não importa as consequências, nem a forma como a excisão é praticada. Ela é feita em várias idades, desde os primeiros meses de vida até à idade adulta, embora ocorra sobretudo entre os quatro e os oito anos. E na maior parte dos casos sem condições clínicas adequadas.
“A maioria é realizada por mulheres da comunidade em que vive a mulher ou criança, com instrumentos de corte inapropriados (faca, caco de vidro, ou navalha). Estes instrumentos são raramente esterilizados, podendo levar à transmissão da SIDA ou HIV, ou à morte. Em casos de infibulação, podem ser usados pontos ou espinhos para “manter” os lábios vaginais juntos, tendo as raparigas de ter as pernas atadas durante quarenta dias”, descreve a Amnistia Internacional.
A prática da MGF, que começou por ser atribuída a hábitos muçulmanos, tornou-se num negócio em países pobres de África, onde há maior prevalência de casos. “Os homens precisam vender suas filhas em troca de dinheiro ou qualquer outra coisa. É o homem que ordena que sua filha seja mutilada, ela não vale nada, ela não pode estar com um homem se não for vítima da mutilação genital. Esta é uma das razões pela qual a MGF ainda continua. Transformou-se num modo de comércio. Acredito que se nos livrarmos da miséria, também nos livraremos da MGF”, afirmou Warie Dirie.
A ex-modelo somali tornou-se o rosto da luta contra a MGF quando, em 2002, abandonou as passarelles para se dedicar em exclusivo à sua fundação, a Desert Dawn Foundation, que luta contra esta prática. Antes escrevera um livro «Flor do Deserto», já adaptado ao cinema, onde relata a sua própria experiência. Aos cinco anos foi mutilada, aos 13 andou 500 quilómetros a pé pelo deserto da Somália em direcção à capital, Mogadíscio, para fugir a um casamento com um homem mais velho. Acabou por ir parar a Londres, onde trabalhou como empregada de limpeza num McDonald’s até que foi descoberta pelo fotógrafo Terence Donovan que a catapultou para o mundo da moda.
Warie Dirie acredita que a MGF está perto do fim. E faz recair a responsabilidade sobre os políticos. “De todos os governos do mundo. Se todos eles se levantarem na mesma hora, se disserem não em todos os lugares do mundo, a MGF acaba”.
O gesto dos deputados de 27 países africanos, no Senegal, um dos 19 Estados do continente que aboliram a excisão feminina é um passo de gigante.
Como o foi a proibição decretada na Eritreia, onde havia uma prevalência de 95%. Falta alargá-la aos 28 países no mundo onde este acto de violência ainda é possível. Para que as mulheres não continuem a ser mutiladas em nome dos homens ou de Deus. 150milhões de mulheres em todo o mundo já o foram.

1 comentário:

  1. COMO MULHER EU NAO POSSO FICAR CALADA VENDO TAMANHA CRUELDADE NOSSA PRECISAMOS LUTAR CONTRA A MGF EM TODO O MUNDO QUE PELO AMOR DE DEUS ISSO CHEGUE AO FIM ESPAREI EM ORAÇAO E NAO POSSO DIZER Q É APENAS UMA CULTURA É UM CRIME CONTRA A MULHER.

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