sexta-feira, 21 de maio de 2010

Humores (crónica publicada no Novo Jornal)

A Europa vive momentos difíceis - os mais complicados desde a segunda grande guerra mundial, segundo o presidente do Banco Central Europeu - mas nem todos vivem a situação com o mesmo estado de espírito.
Na Ibéria, espaço geográfico que compreende Espanha e Portugal, os governos apontam agulhas para baixar a despesa pública e controlar o défice; com firmeza e determinação, o espanhol, e com determinação, mas a titubear na estratégia, o português. Na Grécia o executivo anda às aranhas sem saber bem como lidar com a maior crise que o país já viveu, enquanto os jovens, menos jovens e aqueles que há muito o deixaram de ser travam uma batalha nas ruas contra o apertar do cinto que ameaça asfixiá-los.
Na Alemanha, Angela Merkel, a dama que gostaria de ser de ferro, mas pelo andar dos acontecimentos vê-se que não é, vai-se contorcendo para ajustar a resposta do país à crise e, assim, evitar a queda do Euro.
E na Grã-Bretanha, há sempre oportunidade para usar um dos trunfos que fizeram desta a nação dos Monty Python.
No dia em que o novo ministro das Finanças, George Osborne, anunciou o orçamento rectificativo do primeiro governo de coligação em 70 anos, o secretário do Tesouro, David Laws, chegou ao seu gabinete e encontrou uma carta do seu antecessor em cima da secretária.
Pensando tratar-se de “algum conselho ou recomendações quanto à melhor forma de desempenhar” as funções, como explicou o próprio, Laws deparou-se com a lacónica mensagem. “Caro Secretário, lamento informá-lo que já não há dinheiro”. Um esclarecimento “honesto, mas menos útil do que estava à espera”, admitiu o novo homem do Tesouro que deve ter aproveitado a informação para orientar o seu colega das finanças para fazerem uma rectificação ao orçamento rectificativo. É que sem dinheiro…
Haja humor e este é britânico.
Sem qualquer ponta de humor é como se pode caracterizar a decisão do plenário do Conselho Geral do Poder Judicial espanhol de suspender cautelarmente das suas funções o juiz da Audiência Nacional, Baltasar Garzón.
A suspensão foi anunciada depois do Tribunal Supremo ter ordenado a abertura de um julgamento contra Garzón, pelo crime de prevaricação por se ter declarado competente para investigar os crimes do franquismo. E com essa decisão ter posto em causa uma amnistia, de 1977, que ilibava os responsáveis pelos crimes cometidos durante a ditadura franquista de responder judicialmente.
Depois de anunciada a suspensão, o juiz sem medo que mandou para a cadeia autores de crimes contra a humanidade, como o chileno Augusto Pinochet, recebeu na capital francesa o prémio Liberdade e Democracia René Cassin. E agora espera autorização da entidade que o suspendeu para assumir, durante sete meses, o cargo de assessor do procurador chefe do Tribunal Penal Internacional, para o qual foi convidado.
Pode ser que o Conselho Geral do Poder Judicial espanhol ganhe juízo e conceda autorização para Garzón ir para Haia fazer justiça. E que, entretanto, tenha um rebate de bom senso e ponha o magistrado a servir, como tem feito, o seu país e, com esse gesto se redima da decisão para a qual não há humor negro que aguente.
A África do Sul arrisca-se a ficar nos anais dos disparates científicos.
Primeiro foi a ministra da Saúde, Manto Tshabalala-Msimang, a declarar que uma dieta rica em limão e beterraba era mais eficaz no tratamento da doença do que os anti-retrovirais.
A infeliz afirmação valeu à ministra do ex-governo de Thabo Mbeki o epíteto de doutora beterraba, a exposição ao ridículo e o repúdio da comunidade científica internacional, alarmada com os reflexos de semelhante conselho num país com seis milhões de infectados, números actuais.
Depois foi a preciosa revelação do próprio Thabo Mbeki: “Não conheço ninguém com sida e duvido que seja provocada pelo HIV”.
Agora foi o Presidente sul-africano. Jacob Zuma tornou público esta semana que foi circuncidado para “levar outros homens, que tenham dúvidas, a fazê-lo”. E, então, porquê? Porque “é bom para evitar o contágio da sida”, justificou o Presidente que, quanto à matéria, já revelou sapiência que chegue.
Em 2006, quando terminou o julgamento, que o inocentou, por ter violado a filha seropositiva de um amigo, Jacob havia explicado que não contraíra sida porque “basta um duche logo após a relação sexual para evitar o contágio”. Pois!
Disparates destes é que não encaixam em nenhum tipo de humor.

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