sexta-feira, 25 de março de 2011

O mesmo nojo (crónica publicada no Novo Jornal)

1 A organização não governamental (ONG) Paz e Vida denunciou segunda-feira junto do Ministério Público da Venezuela que agentes da polícia nacional sequestram pessoas para depois as vender à guerrilha colombiana. A morte por ajuste de contas também faz parte dos relatos.

A denúncia foi feita por Óscar Pineda. Segundo o presidente da Paz e Vida, o esquema envolve funcionários da delegação regional de Barinas (525 quilómetros a sudoeste de Caracas) do Corpo de Investigações Científicas, Penais e Criminalísticas (CICPC) que “sequestram pessoas e andam tranquilos pelas ruas”.
Pineda não se fica pela denúncia. Apresenta factos, nomes e datas.
A 24 de Julho de 2009, um grupo de pessoas deslocou-se de Barinas a Caracas para reclamar uma maior atenção para os direitos humanos naquela localidade. “Em Barinas mataram 170 rapazes entre 2009 e 2010, cujo único ditame de justiça é o que dá a polícia: mortos por ajuste de contas”, denunciou.
Também em Barinas foram apresentadas 14 queixas contra funcionários do CICPC, do Grupo Anti-sequestro e Extorsão e da Guarda Nacional (polícia militar) por alegadamente “terem sequestrado rapazes, que foram depois vendidos à guerrilha”, as Forças Armadas Revolucionárias da Colômbia (FARC).
Como exemplo, citou o caso de uma mãe que “não pôde pagar 80 mil bolívares fortes de resgate (aproximadamente 19 mil dólares) pelo filho”, Wilfredo Díaz, mesmo depois de vender o frigorífico e o equipamento da cozinha.
Óscar Pineda referiu ainda o caso de um rapaz identificado como Luís Alfonso Barrios, alegadamente nas mãos da guerrilha na localidade de Tucupita, a sudoeste do país, e o de uma jovem, Maria Gabriela, que foi sequestrada por agentes e apresentou depois uma queixa junto do Ministério Público.
“A procuradora atendeu-a muito bem e pediu que fosse enviada a uma comissão do CICPC, mas para surpresa nessa comissão estava um dos sequestradores. Depois a procuradora disse que o caso era muito delicado e recusou avançar com a denúncia”.
Segundo Óscar Pineda, “uma das pessoas que estava ao lado do Presidente da República, Hugo Chávez, quando este visitou Barinas, na semana passada, é uma das que matam e sequestram”.

2 Três deputados europeus aceitaram “vender os seus serviços” por quantias de 100 mil euros (141 mil dólares) a jornalistas da publicação britânica «The Sunday Times».
Repórteres do jornal fizeram-se passar por representantes de lobbies, actividade legal no Parlamento Europeu, e propuseram a vários deputados pagar 100 mil euros por ano em troca de alterações que pudessem adoptar. Três deles aceitaram.
Adrian Severin, antigo vice primeiro-ministro da Roménia enviou um e-mail aos falsos ‘lobbistas’ dizendo que a alteração desejada tinha sido arquivada. De seguida, enviou uma factura de 12 mil euros por “serviços de consultoria”.
Zoram Thaler, antigo ministro dos Negócios Estrangeiros da Eslovénia, também apresentou uma proposta de alteração, pedindo mais tarde que o dinheiro fosse depositado na conta de uma empresa com sede em Londres.
Também o antigo ministro austríaco do Interior, Ernst Strasser, respondeu favoravelmente. O deputado pediu que um primeiro pagamento de 25 mil euros fosse feito na conta de uma empresa na Áustria, depois de apresentar um projecto de alteração e de obter um compromisso a favor de um lobbie.
Depois de montada a história, a vice-presidente do Parlamento Europeu, Diana Wallis, prometeu uma investigação, em declarações ao jornal britânico.

3 Aparentemente estas duas histórias nada têm em comum. São enredos diferentes, acontecem em localizações geográficas distintas e os seus protagonistas ocupam posições igualmente díspares. Os primeiros são funcionários do Estado, com obrigações de zelar pela segurança dos cidadãos e comprometidos com a ordem pública; o segundo caso envolve personalidades eleitas que ocuparam funções governativas nos seus países de origem, dois foram ministros e um foi vice-primeiro ministro, que juraram defender os cidadãos que os elegeram e os interesses dos países que representam. O primeiro caso envolve violência física e morte; o segundo não. Os primeiros actores são funcionários habitualmente mal-remunerados e, portanto, mais permeáveis à corrupção; os segundos são principescamente bem pagos e tradicionalmente instruídos, o que não desagravando o crime dos primeiros, agrava o dolo dos segundos. E, por isso, devem ambos ser exemplarmente punidos.

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