sábado, 5 de março de 2011

Pela Primavera (crónica publicada no Novo Jornal)

Já são conhecidos os candidatos ao Prémio Nobel da Paz de 2011.
São 241 nomeados dos quatro cantos do mundo, um número recorde, 53 dos quais são organizações.
Apesar de a lista ser um segredo bem guardado até à data do anúncio do vencedor, em respeito pelos estatutos, o director do Instituto Nobel destapou um pouco o véu. E, sem trair a identidade dos nomeados, admitiu que a edição deste ano foi influenciada pela «Primavera árabe». “Recebemos várias propostas que reflectem a situação” na Tunísia, Egipto e Líbia, precisou Geir Lundestad.
Mas nem só da Primavera se fazem os prémios Nobel deste ano.
A Wikileaks, que com a enxurrada de informações que começou a jorrar no Outono atirou vários governos para um Inverno gelado, está também entre os nomeados para o Prémio Nobel da Paz. Não fosse o site criado pelo australiano Julien Assange, no plano da metáfora das estações, ele próprio uma primavera ao fazer florescer a esperança de um mundo melhor por expor, através da publicação de informações confidenciais, “a corrupção, os crimes de guerra e a tortura”. Isso mesmo evidencia o deputado norueguês, Snorre Valen, o promotor da candidatura do Wikileaks. Os nomeados ao Nobel da Paz são propostos por milhares de pessoas em todo o mundo – deputados e ministros, anteriores laureados, membros de instâncias internacionais, professores universitários – que têm de apresentar as suas propostas até ao dia 1 de Fevereiro.
Para além de personalidades ligadas à «Primavera árabe» e do Wikileaks, estão entre os nomeados os pais da Internet – os norte-americanos Larry Roberts e Vint Cerf e o britânico Tim Berners-Lee, a União Europeia, o antigo chanceler alemão Helmut Kohl, a Presidente da Libéria Ellen Johnson Sirleaf, o dissidente cubano Oswaldo Paya Sardinas, o médico congolês Denis Mukwege, a dissidente uigure Rebiya Kadeer, a comunidade católica de Sant'Egidio e a militante afegã dos direitos humanos Sima Samar.
A organização não governamental de defesa dos direitos humanos russa Memorial e uma das suas responsáveis, Svetlana Gannuchkina também foram nomeadas pelos esforços na protecção das liberdades na Rússia.
Assumindo a importância e o papel de cada um dos nomeados na promoção dos valores intrínsecos à paz, formulo desde já o meu voto, antecipando a escolha conhecida em Outubro de 2011.
Os pais da internet são os justos vencedores do prémio, que será entregue a 10 de Dezembro, data da morte do seu fundador, o inventor sueco da dinamite Alfred Nobel.
Tal como a dinamite precisa de um rastilho para explodir, a «Primavera árabe» e a Wikileaks tiveram na internet a sua mecha. Não há como ignorar, estes foram os dois fenómenos sociais e políticos, com repercussões na paz, mais importantes deste ano. E que tiveram a precede-los um acontecimento anterior, que deve ser devidamente reconhecido.
Os benefícios da Internet não deixam de espantar. Essa correia de transmissão social, auto-estrada da informação, aldeia global num clique, sala de estar do planeta serve para aproximar e também para unir aquilo que a vida, muitas vezes, separa e afasta.
Há uma semana, uma imigrante portuguesa residente na Venezuela reencontrou a filha que desapareceu, há 12 anos, numas enxurradas no estado de Vargas, Venezuela. As cheias levaram-lhe a casa e a menina. Lucinda Nunes procurou-a durante anos. Palmilhou quilómetros de estrada, calcorreou cidades e aldeias, visitou instituições, contactou os governantes – o próprio Presidente Hugo Chávez – numa busca desenfreada que cessou há uma semana.
No conforto de casa, Lucinda falou com Carla Ures, sem saber que era a sua filha, através do Facebook, outra grande ferramenta da actualidade.
A menina desaparecida, que adoptou outro nome após o desaparecimento por não saber a sua identidade, abriu uma página no Facebook. Um dia a mãe, que contactava um grupo de religiosas na internet, falou com ela. Temerosa, para não alimentar falsas esperanças, Lucinda pediu a um irmão na Madeira que averiguasse. Um dia, Carla foi contactada por Carlos Ferreira, o madeirense que lhe pediu amizade e que lhe explicou que tinha uma irmã em Valência (Venezuela) à procura de uma filha desaparecida nas enxurradas de Vargas.
O reencontrou deu-se. Tal como um ano antes, uma mãe nos EUA, a quem o marido roubara os três filhos dizendo-lhe que tinham morrido num acidente de viação, reencontrou-os, graças à internet.
Que a academia sueca esteja no caminho certo para premiar Larry Roberts, Vint Cerf e Tim Berners-Lee, porque, desta forma, o Nobel da Paz chegará a todas as primaveras.

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