sexta-feira, 14 de maio de 2010

Devoção futebolística (crónica publicada no Novo Jornal)

Esta semana vi uma luz. Quando Nuno Gomes entregou ao Papa uma camisola do Benfica compreendi. Afinal Jesus não foi contratado como treinador para estancar os maus resultados do clube, mas para operar o milagre que se revelou na véspera da chegada do Papa a Portugal com a conquista do campeonato. E cumprir o desígnio “consubstanciado” na trilogia que Oliveira Salazar concebeu para a Nação portuguesa: Fátima, fado e futebol.

Isto de misturar religião com futebol, há que confessá-lo, nunca deu bons resultados. A expressão que Bento XVI fez, antes de reencaminhar a camisola do glorioso e uma réplica da águia a um dos seus guarda-costas, foi reveladora do incómodo do chefe da igreja Católica perante inusitada oferenda.
Que o presidente da Câmara de Lisboa ofereça as chaves dos paços do concelho ao sucessor de Pedro, a quem Jesus confiou as chaves da Igreja Católica, ainda vá. Sempre é mais uma chave para guardar. Agora entregar a camisola do Benfica, com o nome de Bento XVI, ao Papa após um acto religioso que marcou o início da visita papal não lembra ao diabo. É até desprestigioso para os jogadores, esses sim, merecedores dos créditos. E também Jesus, o Jorge, claro.
A confusão entre o futebol e a igreja tem barbas. E não é uma originalidade portuguesa. Que o digam os brasileiros, os verdadeiros criadores do conceito, como evidenciam as inúmeras teses de doutoramento dedicadas ao assunto.
“A influência das manifestações religiosas é marcante no futebol brasileiro. Santinhos, capelas dentro dos clubes, oração de Ave Maria e Pai Nosso nos vestiários (independente da crença), camisas louvando Jesus e devoções afro-brasileiras invadem os campos de todo Brasil”, evidencia Cristiana Felippe, num artigo sobre a dissertação de mestrado em Ciências da Religião do professor de educação física Clodoaldo Gonçalves Leme, “É Gol! Deus é 10 - A religiosidade no futebol profissional paulista e a sociedade de risco”.
A tese defendida em 2005 evidencia um ecletismo religioso e democrático: “Alguns técnicos levam as camisas para terreiros de umbanda, sem os atletas saberem, outros fazem rituais escondidos com velas e flores no campo, e já houve casos até de mandarem colocar sal grosso dentro da chuteira ou no gramado”.
Os brasileiros foram tão longe na mistura entre futebol e religião que há pouco menos de um ano se viram envolvidos em polémica ao festejarem a vitória sobre os EUA, no Campeonato das Confederações. No final da partida, os jogadores fizeram uma roda no centro do campo e rezaram. A FIFA recomendou à Confederação Brasileira de Futebol moderação na atitude dos jogadores mais fervorosos. Mas não satisfeita com a suavidade do recado, a Associação Dinamarquesa de Futebol, país onde as caricaturas de Maomé desencadearam uma autêntica guerra com os muçulmanos, exigiu à entidade que superintende o futebol mundial uma posição mais firme e punições para evitar que o episódio se repetisse.
A afinidade entre futebol e religião não passa despercebida aos teólogos que, de quando em vez, se debruçam sobre o fenómeno. Durante um debate no jornal alemão Frankfurter Allgemeine Zeitung, Hans Küng sublinhou que “o futebol é um sério concorrente da religião, podendo até mesmo tornar-se uma religião. Há até quem fale do deus futebol".
Estaria o teólogo conterrâneo de Bento XVI a referir-se à Igreja Maradona, criada na pátria do “Deus” do futebol?
Fundada há uma década por um grupo de fãs de Rosário, município da província de Santa Fé, a Igreja Maradona já tem mais de 100 mil seguidores, em representação de 60países. E à semelhança dos Católicos, que têm um calendário próprio, o gregoriano, os maradonianos orientam-se por um regulador do tempo exclusivo, onde a contagem dos anos é feita “antes de Diego” e “depois de Diego”.
Os fiéis comemoram o Natal no dia 30 de Outubro, “quando Deus nasceu”, e a Páscoa é celebrada a 29 de Junho, quando a Argentina ganhou a Copa do Mundo em 1986.
Antecipando o Campeonato Mundial de Futebol, um grupo de amigos da cidade moçambicana onde nasceu o treinador da Selecção portuguesa vai oferecer a Carlos Queirós uma réplica da Nossa Senhora de Fátima.
Os promotores da iniciativa querem que a estatueta, esculpida por artesãos de Nampula, ocupe o lugar deixado vago pela Nossa Senhora de Caravaggio, a quem Scolari prestava devoção e encomendava os bons ofícios dos jogadores da selecção das Quinas. Para garantir a infalibilidade da santa, benzeram a estatueta na mesma igreja onde Carlos Queirós foi baptizado, a 25 de Abril de 1953.
Assim como assim, não há como escapar a fórmulas já (com)provadas. E o milagre no Benfica até teve direito a bênção papal.

1 comentário:

  1. Minha boa amiga, pois estou inteiramente de acordo com o seu texto mas, acho que podemos também admitir a possibilidade de esta iniciativa poder ser um contributo para "salvar" a visita do dito a Portugal, uma vez que o Jesus (Jorge) e os seus "apóstolos" tiveram mais Povo, nas ruas de Lisboa, que o tal que nasceu a gostar do partido Nazi.

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